No apoio ao regresso vitorioso de Pedro Madruga à Galiza, Vasco da Ponte alude também aos cunhados, deduzindo-se que se refere, naturalmente, às relações familiares pós-matrimoniais, estabelecidas com a família de Teresa de Távora. Faz sentido, que nesse âmbito se incluam também os tios – paternos e maternos – , para que se possa construir um breve panorama do meio em que se inseria a casa de Távora, na segunda metade do século XV. Sigue leyendo O «mar português» de Pedro Colón (III) – Cunhados e amigos
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O «mar português» de Pedro Colón (II) – Parentes
Retomemos o velho texto de Vasco da Ponte. Uma vez casado em terras lusas, o ex-cónego de Tui, Pedro de Soutomaior, recebeu o apoio de “(…) parentes, cunhados e amigos”. Três gradações de parentesco, com ou sem afinidades sanguíneas, capazes de mobilizar vontades e estabelecer semelhantes percursos de vida. Do conhecimento e compreensão do ambiente que o rodeou em Portugal, advém a possibilidade de esboçar um perfil condutor de Pedro Álvares, enquanto vassalo daquela corte.
Respeite-se a ordem do cronista. Em 1468, que parentes tinha Pedro em Portugal? Sigue leyendo O «mar português» de Pedro Colón (II) – Parentes
O «mar português» de Pedro Colón (I) – Estado da Arte
Pedro Madruga não pode ter sido apenas e, tão só, o belicoso senhor feudal de Soutomaior, que cinco séculos de historiografia repassaram, motu continuum, elevado bastas vezes a legendário estatuto, e outras tantas submerso entre as trevas do medievo mais profundo. Foi também um conde português, membro da corte primo-renascentista de que se fazia rodear “o Africano” Afonso V, “rei de Portugal e dos Algarves, daquém e dalém mar em África”, como então, significativamente, se intitulava.
Corte, que o historiador Saúl António Gomes, não hesitou em considerar como “uma das mais notáveis e civilizadas da época”, adjectivando consequentemente esse Príncipe, que biografava em 2006, como “erudito humanista”, bibliófilo, intelectual e esteta[1]. Sigue leyendo O «mar português» de Pedro Colón (I) – Estado da Arte
Pedro Madruga, Cavaleiro de São João de Rhodes (II) – o tempo dos navegantes
[button link=»https://cristobal-colon.com/pedro-madruga-cavaleiro-de-sao-joao-de-rhodes/»] Pedro Madruga I[/button]
[button link=»https://cristobal-colon.com/pedro-madruga-cavaleiro-de-sao-joao-de-rhodes-ii/» color=»lightblue»] Pedro Madruga II[/button]
[button link=»https://cristobal-colon.com/pedro-madruga-cavaleiro-de-sao-joao-de-rhodes-iii/» color=»purple»] Pedro Madruga III[/button]
Vimos já que em meados da década de cinquenta do século XV, Pedro Álvares de Soutomaior era cónego e pertencia ao cabido da Sé de Tui…..
Atingira a maioridade (25 anos), e tinha o apoio do irmão que então já expulsara o Bispo D. Luís Pimentel e era o “generoso Senhor” que guardava a cidade “com gente de armas poderosos”, conforme cita Suso Vila n’ A cidade de Tui durante a Baixa Idade Media. Seria, por certo, o homem de confiança de Álvaro de Soutomaior, no seio do Cabido tudense e, como tal, encarregue dos negócios de importância para o bispado, nomeadamente com o norte de Portugal e o Arcebispado de Braga. Existem numerosos factos que aqui não cabem, relacionando Pedro Álvares com os vários arcebispos bracarenses do seu tempo.
Hoje relativamente bem conhecida é já a instrução do Rei Enrique IV, passada em 1465, em que o soberano manifesta a sua vontade de entregar o Arcebispado de Santiago ao bastardo dos Soutomaior, documento publicado pela primeira vez em 1904 pela Marquesa de Ayerbe no seu livro de apontamentos históricos acerca do Castillo del Marques de Mos en Sotomayor.
O que acima se escreve, aliado ao facto de Pedro Madruga ter casado em Portugal, na ressaca da revolta irmandiña de 1467 – decerto após a confirmação da sua legitimação por Enrique IV em 6 de Agosto do ano seguinte –, permite concluir que até 1468 actuou publicamente como eclesiástico. Quebrou votos, para casar com Teresa de Távora, e assumir os destinos de Soutomaior; teria então 36 anos de idade.
Entre 1634 e 1635, o Arcebispo de Braga D. Rodrigo da Cunha, refere na sua magistral História Eclesiástica dos Arcebispos de Braga, um D. João de Soutomaior, casado com uma irmã do Cardeal de Alpedrinha, chamada Isabel Gonçalves da Costa. Segundo o prelado, D. João era filho natural do Conde de Caminha. Os genealogistas portugueses do século XVII ao XIX, dizem que tivera a alcunha de “galego”, mas desconhecem-lhe geração. Mencionam um outro filho natural, D. Nuno de Soutomaior, também alcunhado de “galego”, casado com uma Isabel de que desconhecem apelido, este sim com descendência conhecida tanto em Portugal, como em Castela. Manuel Felgueiras Gaio, talvez o mais conhecido genealogista português de sempre, escrevia em princípios do século XIX, no seu Nobiliário de Famílias de Portugal, que a mãe de D. Nuno se chamava Constança Pereira e que “o Conde de Caminha a tirou do Convento quando andava em Portugal”.
Perante o que atrás se analisa, existem forte probabilidades de D. João e D. Nuno serem a mesma pessoa, e que o seu nascimento tenha ocorrido na década de sessenta do século XV, sendo seu pai eclesiástico, o que não era novidade para a época! Facilmente o cónego Pedro de Soutomaior tinha acesso às casas religiosas, e as donas nobres por ali obrigadas ao recato, muitas vezes almejavam motivo para deixar a forçada vida de claustro.
Consultando o processo de habilitação para o Santo Ofício de João José de Vasconcelos Bitancour Sá Machado, datado de 1751-52, existente na Torre do Tombo em Lisboa, pode ler-se a dado passo que uma “(…) D. Inez de Soutomaior foi irmã de D. Pedro de Soutomaior, Cavaleiro de Malta e Comendador de Torres Novas, ambos naturais da Terra da Feira, e filhos de D. Nuno de Soutomaior e de sua mulher D. Isabel, naturais da mesma Terra, o qual D. Nuno foi filho natural de D. Pedro Alvares de Soutomaior que neste Reino foi Conde de Caminha por mercê de D. Afonso V.”
Ficamos deste modo a saber que ao deixar o convento, D. Constança Pereira passou a viver na actual região de Santa Maria da Feira, cerca de trinta quilómetros a sul da cidade do Porto, território que então estava afecto à linhagem dos Pereira, à qual deveria pertencer a mãe de Constança, uma vez que o pai – sabê-mo-lo pelos genealogistas – , era Pedro Coelho, da casa dos senhores de Felgueiras que a teve de relação ilícita. A recente morte do pai no malogrado assalto a Tãnger de 1463, decerto precipitara a entrada de Constança na clausura; o amparo da família materna chegou com a desonra da ilícita maternidade.
Quebrado que foi o voto de castidade do cónego de Tui, reencontra-se a sua trajectória convergente com a Ordem de São João do Hospital que em Portugal assumia o título de Ordem do Crato, por se ter instalado o Grão-Priorado de Portugal no Convento da Flor da Rosa, perto da vila do Crato no nordeste alentejano.
Os Pereira, senhores da terra de Santa Maria da Feira, eram sobrinhos-netos do Condestável D. Nuno Álvares, o grande estratega de Aljubarrota, nascido e criado no Crato, onde seu pai era Grão-Prior, sucedendo-lhe o filho D. Pedro Álvares Pereira. Quando Nuno de Soutomaior nasceu, a linhagem ainda mantinha alguns dos seus membros como cavaleiros ou comendadores da Ordem de São João do Crato.
Pedro Coelho, por seu turno, vira um dos seus irmãos tornar-se cavaleiro hospitalário e receber a Comenda de Leça depois de combater bravamente na Ilha de Rhodes, no ano de 1444. Inspirados no exemplo do tio, João e Nuno Coelho, meio-irmãos paternos de Constança, também entraram na Ordem do Crato, sobressaindo frei João enquanto Chanceler-Mor de Rhodes e Grão-Prior do Crato, cargos que acumulou com o de Conselheiro do Rei D. Manuel I, até à sua morte, em 1515. Retiram-se estas informações de D. António Prior do Crato e outros cavaleiros da Ordem do Hospital de São João de Jerusalém, artigo publicado em 1996-97, na revista “Filermo” 5-6, por Luiz de Mello Vaz de São Payo.
Garcia Coelho, o irmão mais velho destes, morreu em combate, na derrota de Toro de 1476. Pedro Álvares de Soutomaior conhecia-o, como decerto aos outros Coelhos de Felgueiras, fosse pela sua relação com Constança, fosse pela ligação à Ordem de São João. Seguindo esta linha de pensamento, naturalmente conheceria bem Nicolau Coelho, outro dos irmãos que se viria a revelar experiente nauta, perito em navegação astronómica, um dos capitães da armada de Vasco da Gama na viagem inaugural do caminho marítimo para a Índia, e o primeiro a entrar na barra do Tejo nesse regresso triunfal.
Isabel Coelho era tia paterna de Constança. Casara com Diogo Martins Cão e no ano de 1472 viviam em São Mamede de Vila Verde, na terra de Felgueiras. A documentação que chegou até aos nossos dias, é rica em informação pontual e dispersa, referenciando pessoas de sobrenome “Cão”. Porém, salvaguardando o caso de duas linhagens, uma em Évora e Vila Viçosa, e outra em Vila Real, não permite estabelecer linhas de parentesco entre os deste apelido.
Sublinhem-se contudo, três insinuantes coincidências: Fernão Pereira, senhor da Terra da Feira era, naqueles tempos, alcaide-mor de Vila Viçosa; um homem chamado Diogo Cão celebrizou-se enquanto “descobridor do Congo”, navegando as costas de África em busca da passagem para oriente, a mando do Rei D. João II; esse homem teve um filho chamado Pedro Cão que rondaria os 18 anos quando a 1 de Agosto de 1476 um Pedro Cão, “escudeiro do Conde de Caminha”, recebia uma Carta de Perdão do Rei D. Afonso V, existente no arquivo das chancelarias régias, na Torre do Tombo em Lisboa.
Estas fontes de informação permitem identificar, sem risco de maior erro, a forte possibilidade do Diogo Cão navegador, ser parente próximo do Diogo Martins Cão, e que o escudeiro Pedro Cão fosse seu irmão, ou mesmo aquele seu filho. A ser assim, seria de relevar uma estreita relação entre Nicolau Coelho e Diogo Cão, e entre os dois e Pedro Álvares de Soutomaior.
Socorremo-nos de novo do texto de Luiz de Mello Vaz de São Payo, para uma nova aproximação aos hospitalários. Segundo hipótese apresentada com algum fundamento, Diogo Cão seria filho de Álvaro Gonçalves Cão, fidalgo da Casa de D. Afonso V, e neto de um Gonçalo Anes Cão, legitimado em 1374, filho natural de João Fernandes, escudeiro do Condestável Álvares Pereira, e Comendador da Flor da Rosa na Ordem de São João do Hospital de Jerusalém!
Tendo em atenção o que acima se equaciona, há ainda lugar a outra possível ligação do futuro Pedro Madruga, a um homem que se irá também tornar navegador, ao serviço do plano das descobertas portuguesas do século XV: Álvaro Caminha. Uma vez mais, os genealogistas portugueses não conseguiram documentar os deste apelido numa linhagem entroncada. Surgem desse modo algumas personagens dispersas que permitem intuir que na centúria de 1400 coexistiram duas linhas de Caminhas em Portugal: os Vaz de Caminha, e os Álvares de Caminha. A primeira aburguesou-se na cidade do Porto, exercendo o prestigioso cargo de Mestres da Casa da Balança da Moeda, e outros lugares de escrivania. Quanto aos segundos, parece terem surgido em Portugal no reinado de D. Afonso V, estima-se que fugidos às lutas irmandiñas dos anos sessenta.
Um facto é no entanto indesmentível: em 1453, um Álvaro Camiña era documentado num tombo do Hospital dos Pobres de Tui, como escudeiro de Álvaro de Soutomaior, conforme se pode atestar no estudo já citado de Xulián Maure Rivas. Não será risco demasiado, supor que como escudeiro dos Soutomaior, terá ficado ao serviço de Pedro Álvares quando aquele sucedeu ao irmão, morto em 1468. Em virtude da esteita relação existente com D. Afonso V, nada obsta a que Álvaro Camiña possa ter entrado ao serviço da Casa Real portuguesa, “participando em várias expedições portuguesas à costa africana”, conforme se diz na História de Portugal – Dicionário de Personalidades, obra editada em 2004 pela QUIDNOVI e coordenada pelo professor José Hermano Saraiva. O cronista português Rui de Pina, na Chrónica de El-Rei D. João II, acrescenta ainda que o soberano português “(…) ordenou mandar a Inglaterra com uma caravela bem armada Álvaro de Caminha (…) para com engano ou dissimulação, prender o dito conde [ de Penamacor ] e o trazer a estes reinos ou matá-lo (…)”, missão que prova o alto nível de confiança nele depositado. A mesma confiança que tivera o Conde de Caminha, até ao seu desaparecimento em 1486.
Finalmente, é o cronista Garcia de Resende que assinala a última missão de Álvaro de Caminha, registando que “no ano de quatrocentos e noventa e três em Torres Vedras deu el Rei a Álvaro de Caminha, cavaleiro de sua casa, a Capitania da Ilha de São Tomé de juro e herdade com cem mil reis de renda cada ano, pagos na casa da Mina.” Fazendo-se acompanhar de degredados, escravos negros, jovens cristão-novos e agricultores da Madeira, a ele se ficou a dever o início do povoamento e colonização da ilha. Morreu velho, em 1499, na enganada convicção de lhe vir a suceder o sobrinho, Pedro Álvares de Caminha.
Faço notar que a ser a mesma pessoa, regulando a idade de Álvaro de Soutomaior a quem servira de escudeiro, teria morrido em São Tomé entre os 65 e os 70 anos, e que alguns investigadores durante os séculos que desde então decorreram, o confundiram inclusive com o filho primogénito do Conde de Caminha, chamando-lhe D. Álvaro de Caminha e Soutomaior! Parece este, um caso para aplicação do ditado popular que reza “nunca haver fumo sem fogo”!
Pedro Madruga, Cavaleiro de São João de Rhodes (I) – o tempo de provar nobreza
Numa quinta dos arredores de Braga, o velho morgado Francisco Bernardo de Sá Sottomayor, regalava-se em juntar os netos ao seu redor, contando-lhes histórias do seu viver de Tenente de Cavalaria em luta contra os franceses, ou de legitimista combatendo os constitucionais do futuro Imperador do Brasil. Por vezes, no auge do relato, evocava a coragem e o sangue guerreiro que lhe corria nas veias, herança do seu antepassado Pedro Madruga! E os miúdos sonhavam, e “guerreavam-se” a brincar, em nome daquelas memórias distantes.
Agostinho Barbosa de Sottomayor, meu bisavô, tinha sete anos quando o Morgado se finou. Nunca esqueceu as aventuras do avô e, já velho, a doença levava-o a “águas” ao Balneário de Mondariz, no sul da Galiza. Ali, voltou a ouvir falar de Madruga, personagem lendária que ainda nos princípios do século XX encantava os bosques da região.
Relatou-o ao filho mais novo, António de Sequeira Sottomayor, e aquele tornou-se o genealogista de serviço da família durante as seis décadas que viveu. Nenhum dos filhos se despediu dele, sem também conhecer os “feitos” do Conde de Caminha… e as “barbáries” também, mas essas, “eram frutos dos tempos de antanho”!
Meu pai, Agostinho Neuparth de Sottomayor, levou-me aos 18 anos ao castelo do Madruga. Nunca alguém da família ali tinha voltado nas centúrias mais recentes. Não era então o monumento que hoje podemos apreciar; estava decrépito e ameaçava ruína interior. Pairava no ar, suspenso do restolho e silvados em seu redor… místico, mas ainda e assim mesmo, imponente.
Há um quarto de século que me dedico à história e genealogia dos Sotomayor, e isso diz bem da impressão que me causou aquela visita em Setembro de 1983. As minhas filhas, já jogaram “à apanhada” no castelo… e começam hoje também, a conhecer o avoengo Pedro Madruga!
Certo dia, Alfonso Philippot publicou La Identidad de Cristobal Cólon, afirmando que o Conde de Caminha e o Almirante do Mar Oceano, Colón, eram a mesma pessoa. Ri-me, mas quis saber do que se falava. Afinal… a tese fazia sentido, mas só parcialmente. Tudo o que se relacionava com a época declinante de Pedro Alvares de Soutomaior apontava, de facto, para uma possível transmutação de um no outro, em 1486. O estudo para clérigo também fazia sentido, tal como a frota dos Sotomayor em Pontevedra, e a sua ligação à cabotagem e à rota mercante do Levante. O parentesco de Frei Esteban de Soutelo, seu tutor, parecia um achado surpreendente, e pleno de consistência… contudo, e embora sem certezas, os documentos antigos referiam quase sempre a mãe de Pedro Madruga, como pertencente à casa de Monterrey, ou seja, como uma Zúñiga, e não uma Soutelo-Colón, de Poio.
Se nas suas últimas vontades, ditadas em 1440, o pai de Madruga omitiu o nome da sua amásia, acreditamos que o terá igualmente escamoteado o mais possível, enquanto viveu. Sabê-lo-iam de facto frei Esteban, o escudeiro Alfonso Garcia, os parentes próximos da incógnita, e o próprio Pedro Alvares que quando passou a dono e senhor de Soutomaior, em 1469, fez acrescentar na entrada do senhorio, o escudo de armas de Zúnigas, de sua pretensa mãe, em vez de Távoras, como se esperaria pelo seu casamento, numa clara atitude do que hoje em dia poderia ser considerado, “marketing publicitário”!
Porque mentia Madruga? Perguntei-o a Philippot, cuja resposta não me satisfez. Desse modo, pouco convencido, passei o Colón-Madruga à gaveta das recordações.
Volvido ano e meio, Rodrigo Cota apresentou a crónica burlesca de Francesillo. Reabri a “gaveta”; voltei a querer saber o que se passava: afinal, um achado de princípios do século XVI, não poderia ser ignorado. A leitura que então fiz, cimentou o que já aceitara em Philippot, mas a questão de base mantinha-se em aberto; também a coloquei a Rodrigo Cota. Respondeu-me como é seu apanágio: claro, sucinto e pleno de lógica. Madruga mentia para apresentar uma linhagem de nobreza!
As grandes ideias, são quase sempre “ovos de Colombo”, e desse modo pude reequacionar toda a teoria de Philippot acerca do nascimento de Pedro Alvares de Soutomaior, para mim até então, o grande “calcanhar de Aquiles” de todo o conceito. Como chave-mestra, a Ordem de São João de Jerusalém, também chamada Ordem do Hospital de São João, ou mais geralmente, de Rodes ou de Malta.
Gaspar Massó no seu Pedro Madruga de Soutomayor, caudillo feudal, afirma na página 25, a propósito da confirmação dos títulos de Visconde de Tui e Mariscal de Baiona, que o Conde de Caminha pertencia àquela Ordem militar e religiosa; o investigador português Luiz de Mello Vaz de São Payo, recentemente falecido e até então colaborador activo na revista “Filermo” – publicação oficial da Assembleia dos Cavaleiros Portugueses da Ordem Soberana de Malta – , instituição a que pertencia, não estranhou a afirmação de Massó, acrescentando até que os referidos títulos lhe tinham sido reconhecidos quando Madruga “já era cavaleiro do Hospital de São João de Jerusalém (Rodes)”, como se pode ler na página 77 de Sottomayor Mui Nobre, editado em 1999.
Sabemos também, graças a Suso Vila Pérez e ao seu estudo sobre A cidade de Tui durante a Baixa Idade Media, vencedor do segundo prémio História Medieval de Galiza e Portugal em 2008, que à referida Ordem militar, pertenciam nos séculos XIV-XV as comendas de Toroño e Mourentán, no bispado de Tui, cujas fronteiras provocaram conflitos jurisdicionais entre a Ordem de São João e o Bispado, prontamente resolvidos em 1460, com vantagem para o Cabido tudense, entre Álvaro Paes de Soutomaior – o encomendeiro irmão de Pedro Alvares – e o comendador Frei Sueiro de Nogueirol.
Galindo Romeo já esclarecera antes, em 1923, com Tuy en la baja Edad Media que Toroño designava “toda a terra do bispado de Tui não submetida ao senhorio episcopal”, e pela Nobleza gallega que José Garcia Oro deu à estampa em 1981, sabíamos que Paio Sorredea de Soutomaior fora Meirinho daqueles territórios até ao seu falecimento que Suso Vila situa em 1425, sucedendo-lhe o genro, Garcia Sarmiento, senhor de Sobroso, futuro alvo político-militar de Pedro Madruga.
O historial da Ordem de São João revela que em cada lugar onde se instalavam, os Hospitalários começavam por fundar um hospital, logo seguido por um hospício, e só depois se preocupavam com a sua defesa ou fortificação. Segundo Adrián Arcaz Pozo, tratando da Implantación y desarrollo territorial de la Orden Militar de San Juan de Jerusalén en Galicia (siglos XII-XV), as rotas da peregrinação jacobea foram o cerne aglutinador das comendas e instituições hospitalárias, “facultando ao peregrino hospedagem e assistência nos seus hospitais e albergarias que se encontravam espalhadas, tanto nas desoladas e ásperas montanhas, como dentro das povoações”. No século XV, existiam pelo menos em Tui, o Hospital de São João (dos Gafos), e o Hospital de Pobres e Peregrinos, o que indicia também a presença continuada na região, dos cavaleiros hospitalários.
É precisamente tratando de um aforamento relativo a esta última instituição que a 15 de Fevereiro de 1458 se testemunha, na Edición e estudo escriptolóxico do Tombo do Hospital dos Pobres de Tui que Xulián Maure Rivas publicou, a presença de Pedro Álvares de Soutomaior no claustro da Catedral tudense, ao lado do alcaide da cidade, notários e outras testemunhas. Chama-se-lhe então “discreto varom”, o que prova a sua actuação enquanto representante do Cabido catedralício. Outros documentos apresentados por Suso Vila Pérez em 2008, provam que entre 1460 e 1463, Pedro Álvares era cónego e pertencia ao Cabido tudense, embora segundo aquele investigador, “Pedro não se interessasse muito pelo Cabido”, fazendo-se representar amiúde pelo criado Pêro de Sevilla, de família imigrante da capital andaluza, onde Colón viverá os anos mais relevantes da sua vida.
Extintos os Templários, reza a história que os Hospitalários lhes herdaram senhorios e comendas, um pouco por todo o mundo conhecido. Em Portugal, assim não foi. Dinis, o Rei Lavrador, “tirou da cartola” a Ordem de Cristo, e os cavaleiros de São João perderam poder até ao reinado do “Africano” Afonso V que os relançou e muito beneficiou. Se acaso ainda o não era enquanto serviu o irmão e o Cabido de Tui, por certo Pedro Madruga cavalgou nas hostes das milícias do hospital, ao cair nas graças daquele rei português, de quem teve sempre o maior apoio e amizade.
Qualquer que tenha sido o percurso do futuro Conde de Caminha entre os anos 50 e 60 do século XV, teve de fazer prova da nobreza “a foro de Espanha” dos seus quatro costados, para poder ingressar como cavaleiro secular na referida Ordem, conforme bem esclarece Fernando Gonzalez-Doria no Diccionario Heráldico y Nobiliário, tratando da “Orden Militar de San Juan de Jerusalén”. Os Soutelo dificilmente cumpriam os requisitos, e os Colón eram essencialmente carpinteiros e mareantes.
Um acordo de linhagem pode bem ter sido o ponto de apoio desta mentira tão fundamental. Álvaro Paes, o último herdeiro legítimo e representante da estirpe dos Alvares de Soutomaior, de Toroño, que senhoreavam, ainda e sempre, o solar de onde brotou a casta, conviveu largo tempo na sua infância e adolescência, com seu parente Alfonso, o filho favorito do Mestre de Alcântara D. Gutierre de Sotomayor. Seriam bem próximas as suas idades, e ambos cresceram na Corte, enquanto donzéis de João II de Castela. É o professor universitário de Córdoba Emílio Cabrera Muñoz quem afirma, na página 180 do seu estudo El Condado de Belalcázar (1444-1518), que durante os anos 50, época do seu estratégico enlace com D. Elvira de Zúñiga, Alfonso se passou a apelidar “Alvares” de Sotomayor, facto que o académico atribuía a uma homenagem de Alfonso ao sogro, D. Álvaro de Zúñiga, Conde de Plasencia.
Outra leitura dos factos, permite entrever uma procura de paridade na legitimidade dos Sotomayor da Extremadura, face aos seus homónimos da Galiza. Como moeda de troca, reforçavam-se os Soutomaior de Tui, conseguindo para o seu bastardo Pedro Álvares, a entrada na Ordem de São João, validada num parentesco próximo, tacitamente aceite entre ambas as linhagens, mas sempre envolto em confusa neblina, como o próprio Vasco de Aponte nos transmite na sua Relación dalgunhas casas e linãxes do reino de Galiza, na página 120 da edição de 2008 de Clodio González Pérez, relatando o que sobre esse assunto se conhecia na época, da seguinte maneira: “(…) Pedro Alvarez de Soutomaior era bastardo natural que o tivera seu pai Fernán Eáns dunha irmã, curmá ou sobriña da condesa de Ribadavia, a que morreu a lanzadas”.
José Garcia Oro na obra supra-citada, revela, por acréscimo, que entre os Soutomaior e os Zúñiga existia uma relação de parentesco muito próximo, documentando nas páginas 95 e 222, respectivamente, que Álvaro de Soutomaior se dirigia a D. Pedro e a D. Juan de Zúñiga, de Monterrey, com o tratamento de “mi Señor tio”. Por maioria de razão, deve concluir-se que da mesma forma consideraria a condessa de Santa Marta (Vasco de Aponte chama-lhe erradamente “de Ribadavia”), D. Teresa, irmã destes. Esta situação prova, por si só, que a Pedro Madruga, irmão de Álvaro, bastava ser filho de Fernánd Yáñez de Soutomayor, para também ser visto na sua época como sobrinho da Condessa de Santa Marta. Não precisava de ser filho bastardo de uma qualquer “Zúñiga”, não documentada nas genealogias, como muito bem anota Salazar y Castro à margem do testamento do primogénito do Madruga, também chamado Álvaro, documento datado de 1491, em que o testador menciona o sepulcro de sua suposta avó, na igreja do Convento de São Domingos de Tui: “(…) de dicho Monesterio de S. Domingo onde está enterrada la dicha D.a Constanza de Zúñiga mi abuela”. Equivocava-se Álvaro, ou enganara-o seu pai, bem como aos outros seus irmãos. No mosteiro em que Pedro Madruga se criou e que tão bem conhecia, está de facto sepultada uma dama, ao lado da arca tumular de um Soutomaior: só que se chamava Inês Álvares e foi mãe do segundo João Fernandes de Soutomaior, Bispo de Tui, conforme opinião de Suso Vila, no livro já citado, páginas 351 a 353.
A propósito ainda da suposta mãe do bastardo Pedro Álvares de Soutomaior, cabe nestas linhas a opinião de Rodrigo Cota, baseado na seguinte passagem do testamento de Fernánd Yáñez: “Yten mando q den ala madre del dicho Pedro mi fizo bastardo por el cargo q della tengo docientos frolines de oro y dela dicha ley y cuño de Aragon.” Baseado na equivalência do florin de ouro em relação ao maravedi, moedas correntes no tempo de Enrique IV, o autor de Colón, Pontevedra, Caminha, estima o valor legado, em 14 000 maravedis, magra quantia para um Soutomaior doar a uma Zúñiga, à laia de dote; “más bien parece la cantidad que se entrega como ayuda a una mujer sin linaje alguno ni gran fortuna”. Tomemos como ponto de comparação que o dote de uma nobre casadoura por essas datas, valia cerca de cinquenta vezes mais, como se deduz do contrato de casamento de Mecia Sarmiento com seu primo Francisco, filho dos Condes de Santa Marta.
Estreita era a relação entre os dois ramos dos Zúñigas: o de Monterrey e o de Plasencia. Após a referida morte prematura da condessa viúva de Santa Marta, em 1470, ficou órfão o pequeno Bernardino, cuja tutela, segundo Garcia Oro (página 105) logo foi atribuída ao Conde de Plasencia D. Álvaro de Zúñiga, sogro, como acima se viu, de Alfonso “Alvares” de Sotomayor. Informa Emílio Cabrera Muñoz no já mencionado estudo sobre o Condado de Belalcázar, páginas 182 a 186, que este Alfonso, por sua vez, também morreu cedo, em 1464, cabendo a tutela dos seus filhos à mulher, Elvira, e ao irmão desta, também chamado Álvaro de Zúñiga, Prior da Ordem de São João do Hospital em Castela.
Admita-se pois, à guisa de conclusão, que a este Álvaro poderá ter ficado a dever o então ainda eclesiástico Pedro Álvares de Soutomaior, a sua ascensão a cavaleiro da Ordem de São João do Hospital, após o necessário processo de admissão, devidamente sancionado pelos testemunhos dos Zúñiga de Monterrey e Plasencia, jurando um nebuloso parentesco capaz de garantir ao futuro Conde de Caminha, nobreza dos quatro costados.
O Xadrez de Tordesilhas: Colón, “Alpedrinha”, Caminha – Parte 3 – O “Almirante”
D. Jorge da Costa começou a sua carreira eclesiástica em 1463, eleito Bispo de Évora. No ano seguinte, deixava a prelatura do Alentejo e assumia o Arcebispado de Lisboa, cargo a que renunciaria apenas em 1500, a favor do seu irmão D. Martinho da Costa.
Poderá nesse início de carreira ter conhecido o cónego Pedro de Sotomayor quando aquele, já trintão, como se de um Deão se tratasse acorria por terra ou mar aos assuntos de maior peso referentes ao Cabido do bispado de Tui que seu irmão Álvaro mantinha em sede vacante e inacessível pela força da imposta “encomienda”, ao legítimo Bispo D. Luís Pimentel?
Será que no encontro dos soberanos ibéricos ocorrido no Mosteiro estremenho de Guadalupe em 64, no qual se negociaram casamentos de estado, houve D. Jorge da Costa notícia de que ao mesmo Pedro de Sotomayor, o rei Enrique IV pretendia elevar a titular da sede de Santiago, conforme documento apresentado por Gaspar Massó em Pedro Madruga de Soutomayor, caudillo feudal ?
E nos meandros da Corte portuguesa, nos anos setenta, quando Pedro de Sotomayor trocara já o celibato pelo casamento na casa de Távora, senhoriando o sul da Galiza por Portugal, quantas vezes se terão estes dois homens cruzado?
Inclusive na campanha de Toro, em meados desses mesmos anos, sabendo-se pela crónica de Damião de Goes que estiveram juntos ao lado de D. Afonso V, pois “(…) fez ElRey alardo da gente, que comsigo tinha, que com a que veyo (…) com D. Jorge da Costa Arcebispo de Lisboa (…)” e mais adiante, vendo o rei português o estandarte real pelo chão “(…) como desesperado se quizera lançar no meyo dos inimigos desejozo mais de achar quem o matasse, que de viver com desgosto (…)” acção suicida que foi evitada por conselho de uns poucos cavaleiros “(…) e D. Pedralvares de Soutomayor Conde de Caminha, que nesta peleja o sempre acompanharão (…)”.
Que provas poderemos encontrar do conhecimento e eventual amizade destes dois homens, para além de que ambos admiravam e faziam parte do estreito círculo de amigos de D. Afonso V de Portugal? Documentalmente, apenas uma: quando em 1635 D. Rodrigo da Cunha publica em Braga a sua Historia Ecclesiastica dos Arcebispos de Braga, e dos Santos, e Varoens illustres, que florecerão neste Arcebispado, afirmando a dado passo que uma das irmãs do Cardeal, D. Isabel Gonçalves da Costa, se casara com D. João de Sotomayor, filho natural do Conde de Caminha.
Sobre este, deixámos já noutro artigo publicado sob o título Pedro Madruga, Cavaleiro de São João de Rhodes. O tempo dos Navegantes, as razões da nossa convicção de que se chamara efectivamente D. Nuno de Sotomayor, e fora por sua mãe sobrinho do navegador e astrónomo Nicolau Coelho e parente próximo de Diogo Cão, o descobridor do Congo. É tempo de acrescentar novos dados que fortalecem essa hipótese.
Cerca de um ano após Tordesilhas, morreu o rei em Alvor. Sucedeu-lhe no trono o primo D. Manuel e não o filho bastardo D. Jorge, como D. João II tanto queria e talvez a única causa de peso que a vida lhe negou depois da morte prematura do Príncipe D. Afonso nas margens do Tejo. No concreto, negara-lho em Roma o “Cardeal de Alpedrinha”, por não ver nessa vontade o gosto da rainha D. Leonor, nem benefícios de maior para o reino. Assim, grosso modo, a D. Jorge da Costa devia o novo rei de Portugal a sua entronização. O genealogista Alão de Morais conta na sua Pedatura Lusitana de 1670 um curioso episódio revelador deste facto: D. Martinho da Costa “(…) sendo Arcebispo de Lxª acompanhou a ElRei D. M.el de Sacavém pª Lxª e porfiando no caminho sobre as terças das Igreijas q o Arcebpo, lhe não queria largar nem os outros Prelados, E dizendo lhe ElRei, cõ paixão / Não sei quem vos fez Arcebpo. / E elle lhe respondeu / Isso direi a vA. Fez me a mi Arcebpº quem a V.A. fez Rei / (…) E a resposta do Arcebispo não respondeo ElRei nada”.
Manuela Mendonça estabelece que “(…) é impossível falar de confiança mútua ou sequer relações cordiais(…)” entre o rei e o cardeal, sendo que este último lhe não reconhecia a autoridade de monarca, antes lhe exigindo “(…) uma atitude de gratidão permanente pelo trono que lhe oferecera”.
Poderemos assim encarar no âmbito de uma troca de favores, o cargo de Mestre-Sala de D. Manuel, eventualmente obtido para aquele Nuno de Sotomayor por intermédio de seu tio, o Cardeal. Veja-se um exemplo muito similar, citado no Nobiliário de Famílias de Portugal da autoria do genealogista Felgueiras Gaio, respeitante a D. Álvaro da Costa que aquele autor diz ser sobrinho do mesmo prelado e “(…) por respeito dele aumentado (…)”, tendo entrado “(…) Moço no serviço do Sr. Rey D. Manoel q nele pos os olhos e lhe deu o Dom e o fez seu Camareiro, e Armeiro e Provizor e Vedor da Fazenda da Rainha D. Leonor”.
A preocupação com a situação de familiares e amigos foi, aliás, uma das características mais notáveis de D. Jorge, o qual dos inúmeros cargos e benesses que foi acumulando, quase todos distribuiu, “(…) sobretudo na última fase da sua vida, por parentes e criados.”
Um exemplo disso é a sua relação de amizade com os Lucena, tendo patrocinado os estudos de Diogo de Lucena em Bolonha e de Álvaro de Freitas em Perusa, ambos sobrinhos do Dr. Vasco Fernandes de Lucena, Conselheiro de D. Afonso V e embaixador a Roma juntamente com D. Pedro de Noronha e Rui de Pina, na obediência de D. João II ao Papa Inocêncio VIII, em 1485. Espante-se, ou não, nesse tempo Fernão Vasques de Lucena, primo dos anteriores e um dos filhos deste Embaixador, pertencia em Castela ao Conselho dos Reis Católicos! Desconhecemos se com actuação pró ou contra Portugal!
Compreende-se deste modo que no seio estritamente familiar, rapidamente D. Jorge da Costa se tornasse o patriarca dos Costas de Alpedrinha, por quem passariam a grande maioria, senão a totalidade, das decisões e responsabilidades. Matrimónios incluídos, ou não tivesse sido já esse prelado encarregue da política de alianças do reino no tempo do rei Africano!
O ramo de Alpedrinha está no entanto ainda pouco estudado, quiçá por não haver suficiente documentação. A maior parte dos autores antigos, referem três casamentos ao pai do Cardeal e lhe dão vários irmãos e irmãs nascidos entre meados dos anos 20 e finais dos anos 60. Um deles, seu homónimo, nasceu em 1459 e veio a ser Arcebispo de Braga; porém, Manuela Mendonça demonstra documentalmente que esse era sobrinho e não irmão do “Cardeal de Alpedrinha”. Em condições semelhantes devemos considerar aquelas que levaram o patronímico “Gonçalves da Costa”, como D. Isabel, casada com o filho natural do Conde de Caminha, facto que coloca a cronologia do seu nascimento em finais da década de 50, princípios da seguinte, sendo Martim Vaz, o suposto pai de toda esta vasta prole quase septuagenário! Não sendo impossível, tende contudo a suscitar a dúvida.
Irmã de facto, ou sobrinha hipotética, o certo é que foi D. Jorge quem lhe tratou do matrimónio, o qual teve lugar entre Julho de 1476 e Junho de 1480, datas que marcam a concessão do Condado de Caminha a Pedro Alvarez de Sotomayor e a chegada de D. Jorge da Costa à Santa Sé. Deduz-se desta aliança não só a amizade e interesses que ligavam estes dois homens em finais dos anos 70, como também se prova a estreita relação de compadrio que desde então os uniu e se revelou elo fundamental no negócio de Tordesilhas de que vimos falando.
Resta-nos à guisa de conclusão, levantar um outro facto paralelo, infelizmente ainda não documentado que permite levar um pouco mais longe e com algum risco da nossa parte, a atribuição da identidade do Almirante Cristóbal Colón, ao Conde de Caminha. Refere-se ao casamento que o Cardeal conseguiu em Castela para outra das suas irmãs ou sobrinhas, D. Luísa Gonçalves da Costa que supomos um pouco mais nova que a já referida Isabel e portanto, nascida durante os anos 60 do século XV. Segundo todos os genealogistas portugueses, o marido escolhido terá sido um fidalgo castelhano chamado Cristóbal de Cardenas. A informação que deixam é seca e não adianta mais do que isto. Pertenceria este homem à linhagem dos Cardenas de Andujar? Seria por isso, de alguma forma parente próximo do Comendador-Mor de León na Ordem de Santiago D. Gutierre de Cardenas, protector de Colón, fiel servidor de Isabel, a Católica e outro dos subscritores por Castela do texto de Tordesilhas?
Não o documentam as genealogias e disso nos podemos hoje lamentar, pois da mesma forma se inviabiliza a sua hipotética identificação com um outro Cristóbal de Cardenas seu contemporâneo, residente em Sevilla, grande amigo e colaborador do notável pintor andaluz Alejo Fernández (c.1475-1545), autor do tema central de um retábulo conhecido como “Virgen de los Navegantes”, originalmente concebido para a Sala de Audiências da Casa de Contratación de Sevilla e hoje conservado na Sala dos Almirantes do Real Alcazar da mesma cidade.
O retábulo apresenta a Virgem elevada sobre o mar, cobrindo com o seu manto protector figuras eminentes da conquista do continente americano que se supõe serem os Reis Católicos, o Imperador Carlos V, Vespucio, Pinzón e Juan de La Cosa, entre outros. Ao nobre representado de perfil em primeiro plano à direita da Virgem tem sido atribuída a identificação de Cristóbal Colón e fazendo fé nas palavras de Manuel Rosa “(…) é o único retrato oficial de Colón sancionado pelo estado”. Estampa-se de facto, na descrição física que o filho lhe traça na Historia del Almirante Don Cristobal Colón, apresentando-o como “(…) hombre de bien formada y más que mediana estatura, la cara larga, las mejillas un poco altas, sin declinar á gordo ó macilento, la nariz aguileña, los ojos blancos, y de blanco de color encendido; en su mocedad tuvo el cabello blondo, pero de treinta años ya le tenía blanco”.
Assim o terão conhecido também em Córdova ou Sevilla, Fernandez e Cardenas, representando-o mais tarde conforme dele se lembravam, quiçá este último bem mais que o seu mestre, se o indocumentavel acaso o fizera cunhado de D. Nuno de Sotomayor!
Descrita que ficou a aparência do Almirante, não resistimos à opinião de dois homens de quinhentos referindo certas qualidades de duas personalidades aparentemente tão díspares como Colón e Madruga. Fernando Colón dá o mote: “(…) en el comer y beber y en el adorno de su persona era muy modesto y continente(…)”; glosa em seguida Vasco da Ponte, cronista galego, “(…) que nin daría un cornado por durmir fóra no inverno, nin en casa cuberta onde non atopase roupa, sabía durmir enriba dunha talla”; volta o primeiro a afirmar “(…) que era afable en la conversación con los extraños, y con los de casa muy agradable(…)”; remata por fim o cronista: “(…) era moi franco, trataba ben aos seus, pero era moi cruel cos seus inimigos(…)”.
Date Caesari quae sunt Caesaris.