a qui : iace : el mui noble: cavallero: payo guomez : charino: el primeiro : senor : de rrianjo : que gano : a seuilla siendo : de moros y los preuilejos : desta uilla : ano de : 130(…)
Nasceu algures entre a península galega do Morrazo, o monte Lobeira no Salnés e a vila de Pontevedra, na década de vinte do século XIII, talvez em 1225 conforme opinião de Armando Cotarelo Valledor, o seu mais dedicado biógrafo. Durante a sua vida de cerca de setenta anos, serviu três reis de León e Castilla: Fernando III «o Santo» (1217-1252), Alfonso X «o Sábio» (1252-1284) e Sancho IV «o Bravo» (1284-1295).
Ao serviço do primeiro esteve ainda jovem, em 1248, na conquista de Sevilla, participando na armada comandada por Ramon Bonifaz. Segundo a tradição recolhida na Primera Crónica General de España editada por Ramon Menéndez Pidal em 1906, uma das acções mais decisivas dessa campanha foi a destruição da chamada «Ponte de Triana», uma ponte de barcas que atravessava o rio Guadalquivir unindo as duas margens, e que inviabilizava então o completo e eficaz cerco da cidade pelas tropas cristãs. Para a sua destruição, terão contribuído as acções concertadas de Bonifaz e Charino – se bem que a Crónica não mencione este último -, cada um capitaneando navios dos maiores e mais fortes da frota, que investiram primeiro contra as referidas barcas, abrindo caminho a um ataque em cunha que aniquilou definitivamente a referida passagem entre margens. (Menéndez Pidal, 1906, pp. 760-761)
Natural das rias galegas, com paços familiares em Pontevedra, provavelmente dotados de estaleiro marítimo como assinala M. Jorge Parada Mejuto, participante com muitos outros parentes na frota organizada entre a Cantábria e o Minho para a referida acção de conquista, decerto se deverá concluir, que tanto a sua família, como o próprio Paio Gomes, estariam envolvidos nas actividades e comércio marítimos, quer no transporte quer enquanto armadores de navios. Sugere inclusive aquele autor, que os objectivos das empresas de Paio Gomes Charino ao longo da sua vida, se prenderam essencialmente com a dinamização do comércio entre a Galiza e o Mediterrâneo, só possível através da existência, com carácter permanente, de uma armada na região do estreito de Gibraltar, capaz de anular a presença naquelas paragens de embarcações muçulmanas. (Parada Mejuto, 2007, pp. 127-132)
Durante o reinado do segundo daqueles soberanos, não existem praticamente notícias suas. Presume-se que possa ter participado em acções marítimas da época, como a tomada de Cádiz em 1263 ou o desastre de Algeciras de 1278, em virtude da obrigação de vassalagem a que estava obrigado pelo senhorio da vila realenga de Rianxo, a qual lhe fora outorgada pelo rei «sábio» como forma de controlar o enorme poder que o arcebispo de Santiago detinha na Galiza. Efectivamente ficou a dever-se a Paio Gomes, a construção naquele porto da ria de Arousa, de uma das maiores fortalezas da Galiza, que controlava a foz do rio Ulla, pelo qual se acedia à vila de Padrón, senhorio arcebispal e porta de entrada marítima para Santiago de Compostela. A acção fiscalizadora e tributária desenvolvida desde então em Rianxo, terá sido um dos factores que levou ao crescimento da alternativa de Noia, mais a norte na ria de Muros, que nas primeiras décadas do século XIV podia já ser considerada «o novo porto xacobeo», conforme lhe chama José García Oro, no capítulo que lhe dedica em Galicia en los siglos XIV y XV. (García Oro, 1987, vol. II, pp. 169)
A edição do cancioneiro de Charino, feita por Cotarelo Valledor compensa, por outro lado, a falta de documentação para este período da vida do primeiro senhor de Rianxo. Desse modo se podem conhecer vinte e oito cantigas de sua autoria: dezanove de amor, seis de amigo, uma serventês, uma de tensão e uma de escárnio. Segundo o investigador, Paio Gomes trovou durante pelo menos trinta e oito anos, entre 1248 e 1286, essencialmente como passatempo, enquadrando-se na moda cultural da corte do seu tempo. Informa também Parada Mejuto, que o idioma, que o idioma galaico-português estava então muito em voga entre castelhanos, aragoneses, portugueses e franceses, sendo os trovadores galegos muito acarinhados e procurados. (Cotarelo Valledor, 1934; Parada Mejuto, 2007, pp. 135-136)
Alfonso X reinou trinta e dois anos. Na segunda metade desse tempo sofreu forte contestação da nobreza, devido à política imperial que impôs e que foi exaurindo os recursos do reino. Rebelou-se o infante Sancho, filho segundo do monarca, encabeçando um bando de revoltosos, que cresceu até ao quase completo isolamento em que se encontrava o rei «sábio», quando morreu em Sevilla.
Paio Gomes Charino esteve desde a primeira hora com o futuro rei Sancho IV, na luta pela sucessão que aquele manteve com os sobrinhos (infantes de la Cerda), filhos do príncipe Fernando, seu irmão primogénito morto ainda em vida do pai. Esse apoio valeu-lhe a nomeação para «Almirante de la Mar», logo no início do novo reinado, existindo documentação coeva que o coloca no exercício do cargo entre Agosto de 1284 e Setembro de 1286. Cabiam-lhe por inerência das funções, a direcção e o comando das galeras do Mediterrâneo e dos navios «mancos» da costa atlântica, assim chamados por não possuírem remos; apenas velas.
Como única notícia que se conserva da sua actuação enquanto almirante, ficou o conhecido episódio da galé que Paio Charino obrigou os habitantes de Pontevedra a custear e construir para o serviço real. Fê-lo porque a vila pertencia ao arcebispo de Santiago com quem andava inimizado! Ignorou não apenas que D. Rodrigo Gonzalez estava nas boas graças de Sancho IV, como também que desde o reinado do seu antecessor, os vizinhos da vila gozavam de isenção do «imposto de galea», pelo que a tal não eram obrigados. O protesto chegou ao rei que logo ordenou o embargo à construção da nave, a qual acabou por ficar à mercê dos tempos, apodrecendo na taracena contígua ao paço de Charino!
Esse episódio, seguido no mesmo ano pela destituição de Paio Gomes enquanto «Almirante de la Mar», revela que a confiança do soberano de Castilla no senhor de Rianxo recrudesceu entre 1286 e 1291. Nesse ano, contudo, pôde retornar à graça real após ter capturado o adiantado-mor Juan Alfonso Teles, senhor de Alburquerque, cabeça do bando rebelde pró-infantes de la Cerda que tumultuava a Galiza. Na sequência dessa acção, foi nomeado para lhe suceder naquele cargo, que manteve desde 1292 até à morte do rei «bravo», em 1295. (Parada Mejuto, 2007, pp. 137-152)
Seguiu-se novo período de convulsão interna em Castilla, com a decisão de fazer coroar Fernando IV, um menino de nove anos, tutelado pela mãe, a rainha-viúva Maria de Molina, que assumiu a regência na menoridade do filho. Grande parte da nobreza galega apoiou o infante Juan de Castilla, irmão do defunto rei, que chegou a titular-se como soberano de León, Galicia e Sevilla entre 1296 e 1300, passando em seguida à obediência de Fernando IV. Nesse clima de grande instabilidade política, Paio Gomes Charino não foi excepção, aceitando do insurrecto infante a alcaiadaria de Zamora. Num desses anos finais do século XIII, acabou assassinado às mãos de um sobrinho de sua mulher chamado Rui Peres de Tenório, decerto mandatado pela regência!
Maria Giraldes Maldonado, seu mulher, continuou a residir em Pontevedra, atribuindo-se-lhe a construção da arca tumular existente no lado do Evangelho da cabeceira da igreja de San Francisco, datado de 1304 0u 1306, talvez o mais significativo testemunho que perdurou na memória do povo, legando à posteridade a lembrança do almirante-poeta.
No século XV, decerto não haveria em Pontevedra quem não frequentasse ofícios em San Francisco, e qualquer dos seus habitantes bem conheceria a efígie fúnebre de Paio Charino, jazendo ao lado de Maria Maldonado. Na frente do monumento, a inscrição que ainda hoje se pode ler (e encabeça o presente ensaio), enquadrava um escudo de armas bem conhecido dos vizinhos da vila: seis faixas axadrezadas de ouro e vermelho representavam então a poderosa casa de Soutomaior. Por esse motivo se conhecia que Paio Gomes Charino fora oriundo de tão ilustrada linhagem, a qual dominava ainda Pontevedra nesses anos de quatrocentos, primeiro com o embaixador Paio Gomes de Soutomaior, depois com o mariscal de Castilla, alcaide das torres arcebispais Suero Gomes, juntamente com seu primo Álvaro Paes, e finalmente, durante a quase totalidade da década de setenta, com Pedro Madruga, conde de Caminha, irmão deste último.
Por outro lado, a memória física da própria vila evocava o já referido episódio da galé, uma vez que se fora enraizando nesse século e meio, o hábito de conhecer a porta noroeste da vila, como «porta da galé». Não fora isso suficiente, perduravam também nesses tempos, bem perto da referida porta, os paços do almirante Charino, integrando parte da muralha da vila, e que então ainda se deviam transmitir por herança dentro da linhagem.
A própria presença na vila, com carácter de «vizinhos», dos supramencionados Paio e Suero Gomes, herdeiros de Rianxo – senhorio de que Charino fora o primeiro detentor conforme se lia na inscrição daquela arca tumular -, ainda integrava no século XV, o almirante, na linhagem dos Soutomaior. Mesmo que se não conhecessem os meandros das genealogias; ainda que de entre os seus filhos e netos um só tivesse usado aquele nome; apesar do conhecimento de que actualmente dispomos não permitir sequer documentar essa ascendência. Um facto prova, contudo, a presença ainda bem viva do antepassado Charino entre os seus descendentes: em 1454, seu bisneto, o embaixador de Enrique III a Tamerlán, Paio Gomes de Soutomaior, legava em testamento, pelo tempo de uma década, aos franciscanos da vila, uma quantia anual pela alma de Paio Gomes Charino.
D. Pedro Álvares de Soutomaior, conde de Caminha, que bem conheceu a realidade dessa Pontevedra de quatrocentos – que dominou -, teria decerto semelhante percepção relativamente a Paio Gomes Charino: pertencia à linhagem dos de Soutomaior; logo fora o primeiro almirante da sua família.