No apoio ao regresso vitorioso de Pedro Madruga à Galiza, Vasco da Ponte alude também aos cunhados, deduzindo-se que se refere, naturalmente, às relações familiares pós-matrimoniais, estabelecidas com a família de Teresa de Távora. Faz sentido, que nesse âmbito se incluam também os tios – paternos e maternos – , para que se possa construir um breve panorama do meio em que se inseria a casa de Távora, na segunda metade do século XV. Sigue leyendo O «mar português» de Pedro Colón (III) – Cunhados e amigos
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Pedro Madruga, Cavaleiro de São João de Rhodes (II) – o tempo dos navegantes
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Vimos já que em meados da década de cinquenta do século XV, Pedro Álvares de Soutomaior era cónego e pertencia ao cabido da Sé de Tui…..
Atingira a maioridade (25 anos), e tinha o apoio do irmão que então já expulsara o Bispo D. Luís Pimentel e era o “generoso Senhor” que guardava a cidade “com gente de armas poderosos”, conforme cita Suso Vila n’ A cidade de Tui durante a Baixa Idade Media. Seria, por certo, o homem de confiança de Álvaro de Soutomaior, no seio do Cabido tudense e, como tal, encarregue dos negócios de importância para o bispado, nomeadamente com o norte de Portugal e o Arcebispado de Braga. Existem numerosos factos que aqui não cabem, relacionando Pedro Álvares com os vários arcebispos bracarenses do seu tempo.
Hoje relativamente bem conhecida é já a instrução do Rei Enrique IV, passada em 1465, em que o soberano manifesta a sua vontade de entregar o Arcebispado de Santiago ao bastardo dos Soutomaior, documento publicado pela primeira vez em 1904 pela Marquesa de Ayerbe no seu livro de apontamentos históricos acerca do Castillo del Marques de Mos en Sotomayor.
O que acima se escreve, aliado ao facto de Pedro Madruga ter casado em Portugal, na ressaca da revolta irmandiña de 1467 – decerto após a confirmação da sua legitimação por Enrique IV em 6 de Agosto do ano seguinte –, permite concluir que até 1468 actuou publicamente como eclesiástico. Quebrou votos, para casar com Teresa de Távora, e assumir os destinos de Soutomaior; teria então 36 anos de idade.
Entre 1634 e 1635, o Arcebispo de Braga D. Rodrigo da Cunha, refere na sua magistral História Eclesiástica dos Arcebispos de Braga, um D. João de Soutomaior, casado com uma irmã do Cardeal de Alpedrinha, chamada Isabel Gonçalves da Costa. Segundo o prelado, D. João era filho natural do Conde de Caminha. Os genealogistas portugueses do século XVII ao XIX, dizem que tivera a alcunha de “galego”, mas desconhecem-lhe geração. Mencionam um outro filho natural, D. Nuno de Soutomaior, também alcunhado de “galego”, casado com uma Isabel de que desconhecem apelido, este sim com descendência conhecida tanto em Portugal, como em Castela. Manuel Felgueiras Gaio, talvez o mais conhecido genealogista português de sempre, escrevia em princípios do século XIX, no seu Nobiliário de Famílias de Portugal, que a mãe de D. Nuno se chamava Constança Pereira e que “o Conde de Caminha a tirou do Convento quando andava em Portugal”.
Perante o que atrás se analisa, existem forte probabilidades de D. João e D. Nuno serem a mesma pessoa, e que o seu nascimento tenha ocorrido na década de sessenta do século XV, sendo seu pai eclesiástico, o que não era novidade para a época! Facilmente o cónego Pedro de Soutomaior tinha acesso às casas religiosas, e as donas nobres por ali obrigadas ao recato, muitas vezes almejavam motivo para deixar a forçada vida de claustro.
Consultando o processo de habilitação para o Santo Ofício de João José de Vasconcelos Bitancour Sá Machado, datado de 1751-52, existente na Torre do Tombo em Lisboa, pode ler-se a dado passo que uma “(…) D. Inez de Soutomaior foi irmã de D. Pedro de Soutomaior, Cavaleiro de Malta e Comendador de Torres Novas, ambos naturais da Terra da Feira, e filhos de D. Nuno de Soutomaior e de sua mulher D. Isabel, naturais da mesma Terra, o qual D. Nuno foi filho natural de D. Pedro Alvares de Soutomaior que neste Reino foi Conde de Caminha por mercê de D. Afonso V.”
Ficamos deste modo a saber que ao deixar o convento, D. Constança Pereira passou a viver na actual região de Santa Maria da Feira, cerca de trinta quilómetros a sul da cidade do Porto, território que então estava afecto à linhagem dos Pereira, à qual deveria pertencer a mãe de Constança, uma vez que o pai – sabê-mo-lo pelos genealogistas – , era Pedro Coelho, da casa dos senhores de Felgueiras que a teve de relação ilícita. A recente morte do pai no malogrado assalto a Tãnger de 1463, decerto precipitara a entrada de Constança na clausura; o amparo da família materna chegou com a desonra da ilícita maternidade.
Quebrado que foi o voto de castidade do cónego de Tui, reencontra-se a sua trajectória convergente com a Ordem de São João do Hospital que em Portugal assumia o título de Ordem do Crato, por se ter instalado o Grão-Priorado de Portugal no Convento da Flor da Rosa, perto da vila do Crato no nordeste alentejano.
Os Pereira, senhores da terra de Santa Maria da Feira, eram sobrinhos-netos do Condestável D. Nuno Álvares, o grande estratega de Aljubarrota, nascido e criado no Crato, onde seu pai era Grão-Prior, sucedendo-lhe o filho D. Pedro Álvares Pereira. Quando Nuno de Soutomaior nasceu, a linhagem ainda mantinha alguns dos seus membros como cavaleiros ou comendadores da Ordem de São João do Crato.
Pedro Coelho, por seu turno, vira um dos seus irmãos tornar-se cavaleiro hospitalário e receber a Comenda de Leça depois de combater bravamente na Ilha de Rhodes, no ano de 1444. Inspirados no exemplo do tio, João e Nuno Coelho, meio-irmãos paternos de Constança, também entraram na Ordem do Crato, sobressaindo frei João enquanto Chanceler-Mor de Rhodes e Grão-Prior do Crato, cargos que acumulou com o de Conselheiro do Rei D. Manuel I, até à sua morte, em 1515. Retiram-se estas informações de D. António Prior do Crato e outros cavaleiros da Ordem do Hospital de São João de Jerusalém, artigo publicado em 1996-97, na revista “Filermo” 5-6, por Luiz de Mello Vaz de São Payo.
Garcia Coelho, o irmão mais velho destes, morreu em combate, na derrota de Toro de 1476. Pedro Álvares de Soutomaior conhecia-o, como decerto aos outros Coelhos de Felgueiras, fosse pela sua relação com Constança, fosse pela ligação à Ordem de São João. Seguindo esta linha de pensamento, naturalmente conheceria bem Nicolau Coelho, outro dos irmãos que se viria a revelar experiente nauta, perito em navegação astronómica, um dos capitães da armada de Vasco da Gama na viagem inaugural do caminho marítimo para a Índia, e o primeiro a entrar na barra do Tejo nesse regresso triunfal.
Isabel Coelho era tia paterna de Constança. Casara com Diogo Martins Cão e no ano de 1472 viviam em São Mamede de Vila Verde, na terra de Felgueiras. A documentação que chegou até aos nossos dias, é rica em informação pontual e dispersa, referenciando pessoas de sobrenome “Cão”. Porém, salvaguardando o caso de duas linhagens, uma em Évora e Vila Viçosa, e outra em Vila Real, não permite estabelecer linhas de parentesco entre os deste apelido.
Sublinhem-se contudo, três insinuantes coincidências: Fernão Pereira, senhor da Terra da Feira era, naqueles tempos, alcaide-mor de Vila Viçosa; um homem chamado Diogo Cão celebrizou-se enquanto “descobridor do Congo”, navegando as costas de África em busca da passagem para oriente, a mando do Rei D. João II; esse homem teve um filho chamado Pedro Cão que rondaria os 18 anos quando a 1 de Agosto de 1476 um Pedro Cão, “escudeiro do Conde de Caminha”, recebia uma Carta de Perdão do Rei D. Afonso V, existente no arquivo das chancelarias régias, na Torre do Tombo em Lisboa.
Estas fontes de informação permitem identificar, sem risco de maior erro, a forte possibilidade do Diogo Cão navegador, ser parente próximo do Diogo Martins Cão, e que o escudeiro Pedro Cão fosse seu irmão, ou mesmo aquele seu filho. A ser assim, seria de relevar uma estreita relação entre Nicolau Coelho e Diogo Cão, e entre os dois e Pedro Álvares de Soutomaior.
Socorremo-nos de novo do texto de Luiz de Mello Vaz de São Payo, para uma nova aproximação aos hospitalários. Segundo hipótese apresentada com algum fundamento, Diogo Cão seria filho de Álvaro Gonçalves Cão, fidalgo da Casa de D. Afonso V, e neto de um Gonçalo Anes Cão, legitimado em 1374, filho natural de João Fernandes, escudeiro do Condestável Álvares Pereira, e Comendador da Flor da Rosa na Ordem de São João do Hospital de Jerusalém!
Tendo em atenção o que acima se equaciona, há ainda lugar a outra possível ligação do futuro Pedro Madruga, a um homem que se irá também tornar navegador, ao serviço do plano das descobertas portuguesas do século XV: Álvaro Caminha. Uma vez mais, os genealogistas portugueses não conseguiram documentar os deste apelido numa linhagem entroncada. Surgem desse modo algumas personagens dispersas que permitem intuir que na centúria de 1400 coexistiram duas linhas de Caminhas em Portugal: os Vaz de Caminha, e os Álvares de Caminha. A primeira aburguesou-se na cidade do Porto, exercendo o prestigioso cargo de Mestres da Casa da Balança da Moeda, e outros lugares de escrivania. Quanto aos segundos, parece terem surgido em Portugal no reinado de D. Afonso V, estima-se que fugidos às lutas irmandiñas dos anos sessenta.
Um facto é no entanto indesmentível: em 1453, um Álvaro Camiña era documentado num tombo do Hospital dos Pobres de Tui, como escudeiro de Álvaro de Soutomaior, conforme se pode atestar no estudo já citado de Xulián Maure Rivas. Não será risco demasiado, supor que como escudeiro dos Soutomaior, terá ficado ao serviço de Pedro Álvares quando aquele sucedeu ao irmão, morto em 1468. Em virtude da esteita relação existente com D. Afonso V, nada obsta a que Álvaro Camiña possa ter entrado ao serviço da Casa Real portuguesa, “participando em várias expedições portuguesas à costa africana”, conforme se diz na História de Portugal – Dicionário de Personalidades, obra editada em 2004 pela QUIDNOVI e coordenada pelo professor José Hermano Saraiva. O cronista português Rui de Pina, na Chrónica de El-Rei D. João II, acrescenta ainda que o soberano português “(…) ordenou mandar a Inglaterra com uma caravela bem armada Álvaro de Caminha (…) para com engano ou dissimulação, prender o dito conde [ de Penamacor ] e o trazer a estes reinos ou matá-lo (…)”, missão que prova o alto nível de confiança nele depositado. A mesma confiança que tivera o Conde de Caminha, até ao seu desaparecimento em 1486.
Finalmente, é o cronista Garcia de Resende que assinala a última missão de Álvaro de Caminha, registando que “no ano de quatrocentos e noventa e três em Torres Vedras deu el Rei a Álvaro de Caminha, cavaleiro de sua casa, a Capitania da Ilha de São Tomé de juro e herdade com cem mil reis de renda cada ano, pagos na casa da Mina.” Fazendo-se acompanhar de degredados, escravos negros, jovens cristão-novos e agricultores da Madeira, a ele se ficou a dever o início do povoamento e colonização da ilha. Morreu velho, em 1499, na enganada convicção de lhe vir a suceder o sobrinho, Pedro Álvares de Caminha.
Faço notar que a ser a mesma pessoa, regulando a idade de Álvaro de Soutomaior a quem servira de escudeiro, teria morrido em São Tomé entre os 65 e os 70 anos, e que alguns investigadores durante os séculos que desde então decorreram, o confundiram inclusive com o filho primogénito do Conde de Caminha, chamando-lhe D. Álvaro de Caminha e Soutomaior! Parece este, um caso para aplicação do ditado popular que reza “nunca haver fumo sem fogo”!