O «mar português» de Pedro Colón (III) – Cunhados e amigos

Alianças matrimoniais da Casa de Távora – Séc. XV

No apoio ao regresso vitorioso de Pedro Madruga à Galiza, Vasco da Ponte alude também aos cunhados, deduzindo-se que se refere, naturalmente, às relações familiares pós-matrimoniais, estabelecidas com a família de Teresa de Távora. Faz sentido, que nesse âmbito se incluam também os tios – paternos e maternos – , para que se possa construir um breve panorama do meio em que se inseria a casa de Távora, na segunda metade do século XV. Sigue leyendo O «mar português» de Pedro Colón (III) – Cunhados e amigos

O «mar português» de Pedro Colón (I) – Estado da Arte

Peneda (o Viso) – Vista sobre ria de Vigo e Atlântico

 

 

 

 

 

 

 

 

Pedro Madruga não pode ter sido apenas e, tão só, o belicoso senhor feudal de Soutomaior, que cinco séculos de historiografia repassaram, motu continuum, elevado bastas vezes a legendário estatuto, e outras tantas submerso entre as trevas do medievo mais profundo. Foi também um conde português, membro da corte primo-renascentista de que se fazia rodear “o Africano” Afonso V, “rei de Portugal e dos Algarves, daquém e dalém mar em África”, como então, significativamente, se intitulava.

Corte, que o historiador Saúl António Gomes, não hesitou em considerar como “uma das mais notáveis e civilizadas da época”, adjectivando consequentemente esse Príncipe, que biografava em 2006, como “erudito humanista”, bibliófilo, intelectual e esteta[1]. Sigue leyendo O «mar português» de Pedro Colón (I) – Estado da Arte

O Xadrez de Tordesilhas: Colón, “Alpedrinha”, Caminha – Parte 3 – O “Almirante”

O xadrez de TordesilasD. Jorge da Costa começou a sua carreira eclesiástica em 1463, eleito Bispo de Évora. No ano seguinte, deixava a prelatura do Alentejo e assumia o Arcebispado de Lisboa, cargo a que renunciaria apenas em 1500, a favor do seu irmão D. Martinho da Costa.

Poderá nesse início de carreira ter conhecido o cónego Pedro de Sotomayor quando aquele, já trintão, como se de um Deão se tratasse acorria por terra ou mar aos assuntos de maior peso referentes ao Cabido do bispado de Tui que seu irmão Álvaro mantinha em sede vacante e inacessível pela força da imposta “encomienda”, ao legítimo Bispo D. Luís Pimentel?

Será que no encontro dos soberanos ibéricos ocorrido no Mosteiro estremenho de Guadalupe em 64, no qual se negociaram casamentos de estado, houve D. Jorge da Costa notícia de que ao mesmo Pedro de Sotomayor, o rei Enrique IV pretendia elevar a titular da sede de Santiago, conforme documento apresentado por Gaspar Massó em Pedro Madruga de Soutomayor, caudillo feudal ?

E nos meandros da Corte portuguesa, nos anos setenta, quando Pedro de Sotomayor trocara já o celibato pelo casamento na casa de Távora, senhoriando o sul da Galiza por Portugal, quantas vezes se terão estes dois homens cruzado?

Inclusive na campanha de Toro, em meados desses mesmos anos, sabendo-se pela crónica de Damião de Goes que estiveram juntos ao lado de D. Afonso V, pois “(…) fez ElRey alardo da gente, que comsigo tinha, que com a que veyo (…) com D. Jorge da Costa Arcebispo de Lisboa (…)” e mais adiante, vendo o rei português o estandarte real pelo chão “(…) como desesperado se quizera lançar no meyo dos inimigos desejozo mais de achar quem o matasse, que de viver com desgosto (…)” acção suicida que foi evitada por conselho de uns poucos cavaleiros “(…) e D. Pedralvares de Soutomayor Conde de Caminha, que nesta peleja o sempre acompanharão (…)”.

Que provas poderemos encontrar do conhecimento e eventual amizade destes dois homens, para além de que ambos admiravam e faziam parte do estreito círculo de amigos de D. Afonso V de Portugal? Documentalmente, apenas uma: quando em 1635 D. Rodrigo da Cunha publica em Braga a sua Historia Ecclesiastica dos Arcebispos de Braga, e dos Santos, e Varoens illustres, que florecerão neste Arcebispado, afirmando a dado passo que uma das irmãs do Cardeal, D. Isabel Gonçalves da Costa, se casara com D. João de Sotomayor, filho natural do Conde de Caminha.

Sobre este, deixámos já noutro artigo publicado sob o título Pedro Madruga, Cavaleiro de São João de Rhodes. O tempo dos Navegantes, as razões da nossa convicção de que se chamara efectivamente D. Nuno de Sotomayor, e fora por sua mãe sobrinho do navegador e astrónomo Nicolau Coelho e parente próximo de Diogo Cão, o descobridor do Congo. É tempo de acrescentar novos dados que fortalecem essa hipótese.

Cerca de um ano após Tordesilhas, morreu o rei em Alvor. Sucedeu-lhe no trono o primo D. Manuel e não o filho bastardo D. Jorge, como D. João II tanto queria e talvez a única causa de peso que a vida lhe negou depois da morte prematura do Príncipe D. Afonso nas margens do Tejo. No concreto, negara-lho em Roma o “Cardeal de Alpedrinha”, por não ver nessa vontade o gosto da rainha D. Leonor, nem benefícios de maior para o reino. Assim, grosso modo, a D. Jorge da Costa devia o novo rei de Portugal a sua entronização. O genealogista Alão de Morais conta na sua Pedatura Lusitana de 1670 um curioso episódio revelador deste facto: D. Martinho da Costa “(…) sendo Arcebispo de Lxª acompanhou a ElRei D. M.el de Sacavém pª Lxª e porfiando no caminho sobre as terças das Igreijas q o Arcebpo, lhe não queria largar nem os outros Prelados, E dizendo lhe ElRei, cõ paixão / Não sei quem vos fez Arcebpo. / E elle lhe respondeu / Isso direi a vA. Fez me a mi Arcebpº quem a V.A. fez Rei / (…) E a resposta do Arcebispo não respondeo ElRei nada”.

Manuela Mendonça estabelece que “(…) é impossível falar de confiança mútua ou sequer relações cordiais(…)” entre o rei e o cardeal, sendo que este último lhe não reconhecia a autoridade de monarca, antes lhe exigindo “(…) uma atitude de gratidão permanente pelo trono que lhe oferecera”.

 

Poderemos assim encarar no âmbito de uma troca de favores, o cargo de Mestre-Sala de D. Manuel, eventualmente obtido para aquele Nuno de Sotomayor por intermédio de seu tio, o Cardeal. Veja-se um exemplo muito similar, citado no Nobiliário de Famílias de Portugal da autoria do genealogista Felgueiras Gaio, respeitante a D. Álvaro da Costa que aquele autor diz ser sobrinho do mesmo prelado e “(…) por respeito dele aumentado (…)”, tendo entrado “(…) Moço no serviço do Sr. Rey D. Manoel q nele pos os olhos e lhe deu o Dom e o fez seu Camareiro, e Armeiro e Provizor e Vedor da Fazenda da Rainha D. Leonor”.

A preocupação com a situação de familiares e amigos foi, aliás, uma das características mais notáveis de D. Jorge, o qual dos inúmeros cargos e benesses que foi acumulando, quase todos distribuiu, “(…) sobretudo na última fase da sua vida, por parentes e criados.”

Um exemplo disso é a sua relação de amizade com os Lucena, tendo patrocinado os estudos de Diogo de Lucena em Bolonha e de Álvaro de Freitas em Perusa, ambos sobrinhos do Dr. Vasco Fernandes de Lucena, Conselheiro de D. Afonso V e embaixador a Roma juntamente com D. Pedro de Noronha e Rui de Pina, na obediência de D. João II ao Papa Inocêncio VIII, em 1485. Espante-se, ou não, nesse tempo Fernão Vasques de Lucena, primo dos anteriores e um dos filhos deste Embaixador, pertencia em Castela ao Conselho dos Reis Católicos! Desconhecemos se com actuação pró ou contra Portugal!

Compreende-se deste modo que no seio estritamente familiar, rapidamente D. Jorge da Costa se tornasse o patriarca dos Costas de Alpedrinha, por quem passariam a grande maioria, senão a totalidade, das decisões e responsabilidades. Matrimónios incluídos, ou não tivesse sido já esse prelado encarregue da política de alianças do reino no tempo do rei Africano!

O ramo de Alpedrinha está no entanto ainda pouco estudado, quiçá por não haver suficiente documentação. A maior parte dos autores antigos, referem três casamentos ao pai do Cardeal e lhe dão vários irmãos e irmãs nascidos entre meados dos anos 20 e finais dos anos 60. Um deles, seu homónimo, nasceu em 1459 e veio a ser Arcebispo de Braga; porém, Manuela Mendonça demonstra documentalmente que esse era sobrinho e não irmão do “Cardeal de Alpedrinha”. Em condições semelhantes devemos considerar aquelas que levaram o patronímico “Gonçalves da Costa”, como D. Isabel, casada com o filho natural do Conde de Caminha, facto que coloca a cronologia do seu nascimento em finais da década de 50, princípios da seguinte, sendo Martim Vaz, o suposto pai de toda esta vasta prole quase septuagenário! Não sendo impossível, tende contudo a suscitar a dúvida.

Irmã de facto, ou sobrinha hipotética, o certo é que foi D. Jorge quem lhe tratou do matrimónio, o qual teve lugar entre Julho de 1476 e Junho de 1480, datas que marcam a concessão do Condado de Caminha a Pedro Alvarez de Sotomayor e a chegada de D. Jorge da Costa à Santa Sé. Deduz-se desta aliança não só a amizade e interesses que ligavam estes dois homens em finais dos anos 70, como também se prova a estreita relação de compadrio que desde então os uniu e se revelou elo fundamental no negócio de Tordesilhas de que vimos falando.

Resta-nos à guisa de conclusão, levantar um outro facto paralelo, infelizmente ainda não documentado que permite levar um pouco mais longe e com algum risco da nossa parte, a atribuição da identidade do Almirante Cristóbal Colón, ao Conde de Caminha. Refere-se ao casamento que o Cardeal conseguiu em Castela para outra das suas irmãs ou sobrinhas, D. Luísa Gonçalves da Costa que supomos um pouco mais nova que a já referida Isabel e portanto, nascida durante os anos 60 do século XV. Segundo todos os genealogistas portugueses, o marido escolhido terá sido um fidalgo castelhano chamado Cristóbal de Cardenas. A informação que deixam é seca e não adianta mais do que isto. Pertenceria este homem à linhagem dos Cardenas de Andujar? Seria por isso, de alguma forma parente próximo do Comendador-Mor de León na Ordem de Santiago D. Gutierre de Cardenas, protector de Colón, fiel servidor de Isabel, a Católica e outro dos subscritores por Castela do texto de Tordesilhas?

Não o documentam as genealogias e disso nos podemos hoje lamentar, pois da mesma forma se inviabiliza a sua hipotética identificação com um outro Cristóbal de Cardenas seu contemporâneo, residente em Sevilla, grande amigo e colaborador do notável pintor andaluz Alejo Fernández (c.1475-1545), autor do tema central de um retábulo conhecido como “Virgen de los Navegantes”, originalmente concebido para a Sala de Audiências da Casa de Contratación de Sevilla e hoje conservado na Sala dos Almirantes do Real Alcazar da mesma cidade.

O retábulo apresenta a Virgem elevada sobre o mar, cobrindo com o seu manto protector figuras eminentes da conquista do continente americano que se supõe serem os Reis Católicos, o Imperador Carlos V, Vespucio, Pinzón e Juan de La Cosa, entre outros. Ao nobre representado de perfil em primeiro plano à direita da Virgem tem sido atribuída a identificação de Cristóbal Colón e fazendo fé nas palavras de Manuel Rosa “(…) é o único retrato oficial de Colón sancionado pelo estado”. Estampa-se de facto, na descrição física que o filho lhe traça na Historia del Almirante Don Cristobal Colón, apresentando-o como “(…) hombre de bien formada y más que mediana estatura, la cara larga, las mejillas un poco altas, sin declinar á gordo ó macilento, la nariz aguileña, los ojos blancos, y de blanco de color encendido; en su mocedad tuvo el cabello blondo, pero de treinta años ya le tenía blanco”.

Assim o terão conhecido também em Córdova ou Sevilla, Fernandez e Cardenas, representando-o mais tarde conforme dele se lembravam, quiçá este último bem mais que o seu mestre, se o indocumentavel acaso o fizera cunhado de D. Nuno de Sotomayor!

Descrita que ficou a aparência do Almirante, não resistimos à opinião de dois homens de quinhentos referindo certas qualidades de duas personalidades aparentemente tão díspares como Colón e Madruga. Fernando Colón dá o mote: “(…) en el comer y beber y en el adorno de su persona era muy modesto y continente(…)”; glosa em seguida Vasco da Ponte, cronista galego, “(…) que nin daría un cornado por durmir fóra no inverno, nin en casa cuberta onde non atopase roupa, sabía durmir enriba dunha talla”; volta o primeiro a afirmar “(…) que era afable en la conversación con los extraños, y con los de casa muy agradable(…)”; remata por fim o cronista: “(…) era moi franco, trataba ben aos seus, pero era moi cruel cos seus inimigos(…)”.

Date Caesari quae sunt Caesaris.