No apoio ao regresso vitorioso de Pedro Madruga à Galiza, Vasco da Ponte alude também aos cunhados, deduzindo-se que se refere, naturalmente, às relações familiares pós-matrimoniais, estabelecidas com a família de Teresa de Távora. Faz sentido, que nesse âmbito se incluam também os tios – paternos e maternos – , para que se possa construir um breve panorama do meio em que se inseria a casa de Távora, na segunda metade do século XV. Sigue leyendo O «mar português» de Pedro Colón (III) – Cunhados e amigos
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O «mar português» de Pedro Colón (V) – Teria estado na Mina?
Sobejam, pois, referências factuais, integrando as casas de Távora e de Pombeiro da Beira, no processo marítimo português, pelo menos desde os anos trinta do século XV, com particular incidência nas décadas de cinquenta e sessenta, em que o cargo de Almirante de Portugal foi exercido por dois dos seus elementos. É precisamente à data do falecimento do último destes (1467), que se vai negociar o matrimónio de Teresa de Távora (1468).
Que outra razão, que não a mais-valia do controlo extra de quase quarenta e cinco milhas da costa ocidental galega, levaria Afonso V de Portugal, a aceitar e promover a entrada de um nobre castelhano, numa das linhagens mais afectas ao seu conselho, à segurança da capital do reino, e à eventual política de sigilo atlântico a que já se referiram inúmeros estudiosos? E seria desprezável a capacidade mobilizadora e armadora, de uma casa como a de Soutomaior, nas rias de Vigo, Pontevedra e Arousa, quando Portugal se preparava para novas investidas norte africanas, ainda no âmbito do apelo de Calisto III à Cruzada anti-otomana[1]?
Pelas razões atrás evocadas, bem assim como pela constatação de que, entre os aliados familiares mais próximos, podia o conde de Caminha encontrar quem dominasse a grande maioria dos pontos-chave da costa portuguesa e dos leitos fluviais de maior relevância, deve poder questionar-se qual o verdadeiro papel que Pedro Álvares de Soutomaior representou na corte portuguesa, de 1469 a 1485. Tal janela interpretativa não pode mais ficar posta de parte, quer na historiografia galega, quer na portuguesa. Urge reequacionar a figura de Pedro Madruga, também enquanto homem de mar, armador ligado às rotas de comércio e corso, participante activo – directa ou indirectamente – no movimento renascentista dos descobrimentos marítimos da segunda metade do século XV português.
Termino com uma pergunta potencialmente perversa.
Após o pacto de Alcáçovas-Toledo que, em 1479, pôs fim à guerra de sucessão peninsular, o perdão do conde de Caminha dependia do acatamento das disposições ditadas pelos Reis Católicos. De todas, a mais importante e mais penalizante, seria a entrega de Tui e respectivo preito de vassalagem ao bispo Diego de Muros. Em finais de 1481, a cidade estava ainda na posse do governador Acuña, representante dos Católicos. O acordo com Soutomaior, estipulava que até 15 de Janeiro seguinte, esta lhe fosse entregue, para que pudesse cumprir os protocolos de menagem, reconhecendo a soberania do prelado. Contrariando as expectativas, Pedro Álvares não esteve presente, enviando procuradores[2].
Simultaneamente – segundo um estudo dedicado ao “Castelo da Mina” por Carlos Antero Ferreira – , navegava no atlântico, uma armada de dez caravelas, um navio pesqueiro e duas urcas, sob o comando de Diogo de Azambuja, fundeando na costa da Mina nesse mesmo 19 de Janeiro. Dois dias mais tarde, teve início a construção da primeira fortaleza portuguesa do litoral ocidental da África[3], onde Colón afirmou ter ido algumas vezes.
Escrevendo sobre Tui, Suso Vila documenta que, a 23 de Janeiro, ainda se esperava a qualquer momento, a vinda de Pedro de Soutomaior «a Caminna ou Valença ou daquel cabo», para que fosse a Tui cumprir o acordado com Acuña e o bispo Muros, o que só aconteceu passados quase três meses e meio, no princípio de Maio[4].
Entretanto, a fortaleza da Mina ganhava forma rapidamente. Em meados de Fevereiro estavam levantadas as muralhas e o sobrado da torre. Presume-se que a esse alucinante ritmo, estivesse concluída em finais de Março, senão mais cedo. Depois, o capitão-mor enviou de regresso a frota e, se a viagem de ida demorara cerca de cinco semanas, conclui-se que em Abril já os navios demandassem a costa portuguesa.
Pedro – que esse era também o nome de Colón segundo Lúcio Marineo Sículo[5], cronista dos Reis Católicos – poderia estar em todos os lugares do mundo conhecido de então, menos no norte português ou no sul galego; estrategicamente, talvez aguardasse apenas que o tempo ganho numa propositada demora lhe fosse favorável de alguma forma; mas o bom senso, obriga à pergunta: pela demora, teria o conde de Caminha estado na Mina?
[1] Gomes, S. A. (2006), pp. 177-178.
[2] Vila, S. (2010), pp. 176-177.
[3] Ferreira, C. A. (2007). Castelo da Mina. Da Fundação às Representações Iconográficas dos Séculos XVI e XVII. Lisboa, Portugal: Livros Horizonte, pp. 17-27.
[4] Vila, S. (2009). A cidade de Tui durante a Baixa Idade Media (1ª ed.). Noia, Galicia: Editorial Toxosoutos, pp. 165.
[5] Marineo Sículo, L. (31 de Julho de 2008). L. Marinei Siculi regii historiographi opus de rebus Hispaniae memorabilibus modo castigatum atq. Caesareae maiestatis iussu in lucem editum, 1533. (M. d. Enguia, Ed.), pp. 106v. Obtido em Janeiro de 2011, de Memoria Digital Vasca: http://hdl.handle.net/10357/374
Pedro Madruga, Cavaleiro de São João de Rhodes (II) – o tempo dos navegantes
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Vimos já que em meados da década de cinquenta do século XV, Pedro Álvares de Soutomaior era cónego e pertencia ao cabido da Sé de Tui…..
Atingira a maioridade (25 anos), e tinha o apoio do irmão que então já expulsara o Bispo D. Luís Pimentel e era o “generoso Senhor” que guardava a cidade “com gente de armas poderosos”, conforme cita Suso Vila n’ A cidade de Tui durante a Baixa Idade Media. Seria, por certo, o homem de confiança de Álvaro de Soutomaior, no seio do Cabido tudense e, como tal, encarregue dos negócios de importância para o bispado, nomeadamente com o norte de Portugal e o Arcebispado de Braga. Existem numerosos factos que aqui não cabem, relacionando Pedro Álvares com os vários arcebispos bracarenses do seu tempo.
Hoje relativamente bem conhecida é já a instrução do Rei Enrique IV, passada em 1465, em que o soberano manifesta a sua vontade de entregar o Arcebispado de Santiago ao bastardo dos Soutomaior, documento publicado pela primeira vez em 1904 pela Marquesa de Ayerbe no seu livro de apontamentos históricos acerca do Castillo del Marques de Mos en Sotomayor.
O que acima se escreve, aliado ao facto de Pedro Madruga ter casado em Portugal, na ressaca da revolta irmandiña de 1467 – decerto após a confirmação da sua legitimação por Enrique IV em 6 de Agosto do ano seguinte –, permite concluir que até 1468 actuou publicamente como eclesiástico. Quebrou votos, para casar com Teresa de Távora, e assumir os destinos de Soutomaior; teria então 36 anos de idade.
Entre 1634 e 1635, o Arcebispo de Braga D. Rodrigo da Cunha, refere na sua magistral História Eclesiástica dos Arcebispos de Braga, um D. João de Soutomaior, casado com uma irmã do Cardeal de Alpedrinha, chamada Isabel Gonçalves da Costa. Segundo o prelado, D. João era filho natural do Conde de Caminha. Os genealogistas portugueses do século XVII ao XIX, dizem que tivera a alcunha de “galego”, mas desconhecem-lhe geração. Mencionam um outro filho natural, D. Nuno de Soutomaior, também alcunhado de “galego”, casado com uma Isabel de que desconhecem apelido, este sim com descendência conhecida tanto em Portugal, como em Castela. Manuel Felgueiras Gaio, talvez o mais conhecido genealogista português de sempre, escrevia em princípios do século XIX, no seu Nobiliário de Famílias de Portugal, que a mãe de D. Nuno se chamava Constança Pereira e que “o Conde de Caminha a tirou do Convento quando andava em Portugal”.
Perante o que atrás se analisa, existem forte probabilidades de D. João e D. Nuno serem a mesma pessoa, e que o seu nascimento tenha ocorrido na década de sessenta do século XV, sendo seu pai eclesiástico, o que não era novidade para a época! Facilmente o cónego Pedro de Soutomaior tinha acesso às casas religiosas, e as donas nobres por ali obrigadas ao recato, muitas vezes almejavam motivo para deixar a forçada vida de claustro.
Consultando o processo de habilitação para o Santo Ofício de João José de Vasconcelos Bitancour Sá Machado, datado de 1751-52, existente na Torre do Tombo em Lisboa, pode ler-se a dado passo que uma “(…) D. Inez de Soutomaior foi irmã de D. Pedro de Soutomaior, Cavaleiro de Malta e Comendador de Torres Novas, ambos naturais da Terra da Feira, e filhos de D. Nuno de Soutomaior e de sua mulher D. Isabel, naturais da mesma Terra, o qual D. Nuno foi filho natural de D. Pedro Alvares de Soutomaior que neste Reino foi Conde de Caminha por mercê de D. Afonso V.”
Ficamos deste modo a saber que ao deixar o convento, D. Constança Pereira passou a viver na actual região de Santa Maria da Feira, cerca de trinta quilómetros a sul da cidade do Porto, território que então estava afecto à linhagem dos Pereira, à qual deveria pertencer a mãe de Constança, uma vez que o pai – sabê-mo-lo pelos genealogistas – , era Pedro Coelho, da casa dos senhores de Felgueiras que a teve de relação ilícita. A recente morte do pai no malogrado assalto a Tãnger de 1463, decerto precipitara a entrada de Constança na clausura; o amparo da família materna chegou com a desonra da ilícita maternidade.
Quebrado que foi o voto de castidade do cónego de Tui, reencontra-se a sua trajectória convergente com a Ordem de São João do Hospital que em Portugal assumia o título de Ordem do Crato, por se ter instalado o Grão-Priorado de Portugal no Convento da Flor da Rosa, perto da vila do Crato no nordeste alentejano.
Os Pereira, senhores da terra de Santa Maria da Feira, eram sobrinhos-netos do Condestável D. Nuno Álvares, o grande estratega de Aljubarrota, nascido e criado no Crato, onde seu pai era Grão-Prior, sucedendo-lhe o filho D. Pedro Álvares Pereira. Quando Nuno de Soutomaior nasceu, a linhagem ainda mantinha alguns dos seus membros como cavaleiros ou comendadores da Ordem de São João do Crato.
Pedro Coelho, por seu turno, vira um dos seus irmãos tornar-se cavaleiro hospitalário e receber a Comenda de Leça depois de combater bravamente na Ilha de Rhodes, no ano de 1444. Inspirados no exemplo do tio, João e Nuno Coelho, meio-irmãos paternos de Constança, também entraram na Ordem do Crato, sobressaindo frei João enquanto Chanceler-Mor de Rhodes e Grão-Prior do Crato, cargos que acumulou com o de Conselheiro do Rei D. Manuel I, até à sua morte, em 1515. Retiram-se estas informações de D. António Prior do Crato e outros cavaleiros da Ordem do Hospital de São João de Jerusalém, artigo publicado em 1996-97, na revista “Filermo” 5-6, por Luiz de Mello Vaz de São Payo.
Garcia Coelho, o irmão mais velho destes, morreu em combate, na derrota de Toro de 1476. Pedro Álvares de Soutomaior conhecia-o, como decerto aos outros Coelhos de Felgueiras, fosse pela sua relação com Constança, fosse pela ligação à Ordem de São João. Seguindo esta linha de pensamento, naturalmente conheceria bem Nicolau Coelho, outro dos irmãos que se viria a revelar experiente nauta, perito em navegação astronómica, um dos capitães da armada de Vasco da Gama na viagem inaugural do caminho marítimo para a Índia, e o primeiro a entrar na barra do Tejo nesse regresso triunfal.
Isabel Coelho era tia paterna de Constança. Casara com Diogo Martins Cão e no ano de 1472 viviam em São Mamede de Vila Verde, na terra de Felgueiras. A documentação que chegou até aos nossos dias, é rica em informação pontual e dispersa, referenciando pessoas de sobrenome “Cão”. Porém, salvaguardando o caso de duas linhagens, uma em Évora e Vila Viçosa, e outra em Vila Real, não permite estabelecer linhas de parentesco entre os deste apelido.
Sublinhem-se contudo, três insinuantes coincidências: Fernão Pereira, senhor da Terra da Feira era, naqueles tempos, alcaide-mor de Vila Viçosa; um homem chamado Diogo Cão celebrizou-se enquanto “descobridor do Congo”, navegando as costas de África em busca da passagem para oriente, a mando do Rei D. João II; esse homem teve um filho chamado Pedro Cão que rondaria os 18 anos quando a 1 de Agosto de 1476 um Pedro Cão, “escudeiro do Conde de Caminha”, recebia uma Carta de Perdão do Rei D. Afonso V, existente no arquivo das chancelarias régias, na Torre do Tombo em Lisboa.
Estas fontes de informação permitem identificar, sem risco de maior erro, a forte possibilidade do Diogo Cão navegador, ser parente próximo do Diogo Martins Cão, e que o escudeiro Pedro Cão fosse seu irmão, ou mesmo aquele seu filho. A ser assim, seria de relevar uma estreita relação entre Nicolau Coelho e Diogo Cão, e entre os dois e Pedro Álvares de Soutomaior.
Socorremo-nos de novo do texto de Luiz de Mello Vaz de São Payo, para uma nova aproximação aos hospitalários. Segundo hipótese apresentada com algum fundamento, Diogo Cão seria filho de Álvaro Gonçalves Cão, fidalgo da Casa de D. Afonso V, e neto de um Gonçalo Anes Cão, legitimado em 1374, filho natural de João Fernandes, escudeiro do Condestável Álvares Pereira, e Comendador da Flor da Rosa na Ordem de São João do Hospital de Jerusalém!
Tendo em atenção o que acima se equaciona, há ainda lugar a outra possível ligação do futuro Pedro Madruga, a um homem que se irá também tornar navegador, ao serviço do plano das descobertas portuguesas do século XV: Álvaro Caminha. Uma vez mais, os genealogistas portugueses não conseguiram documentar os deste apelido numa linhagem entroncada. Surgem desse modo algumas personagens dispersas que permitem intuir que na centúria de 1400 coexistiram duas linhas de Caminhas em Portugal: os Vaz de Caminha, e os Álvares de Caminha. A primeira aburguesou-se na cidade do Porto, exercendo o prestigioso cargo de Mestres da Casa da Balança da Moeda, e outros lugares de escrivania. Quanto aos segundos, parece terem surgido em Portugal no reinado de D. Afonso V, estima-se que fugidos às lutas irmandiñas dos anos sessenta.
Um facto é no entanto indesmentível: em 1453, um Álvaro Camiña era documentado num tombo do Hospital dos Pobres de Tui, como escudeiro de Álvaro de Soutomaior, conforme se pode atestar no estudo já citado de Xulián Maure Rivas. Não será risco demasiado, supor que como escudeiro dos Soutomaior, terá ficado ao serviço de Pedro Álvares quando aquele sucedeu ao irmão, morto em 1468. Em virtude da esteita relação existente com D. Afonso V, nada obsta a que Álvaro Camiña possa ter entrado ao serviço da Casa Real portuguesa, “participando em várias expedições portuguesas à costa africana”, conforme se diz na História de Portugal – Dicionário de Personalidades, obra editada em 2004 pela QUIDNOVI e coordenada pelo professor José Hermano Saraiva. O cronista português Rui de Pina, na Chrónica de El-Rei D. João II, acrescenta ainda que o soberano português “(…) ordenou mandar a Inglaterra com uma caravela bem armada Álvaro de Caminha (…) para com engano ou dissimulação, prender o dito conde [ de Penamacor ] e o trazer a estes reinos ou matá-lo (…)”, missão que prova o alto nível de confiança nele depositado. A mesma confiança que tivera o Conde de Caminha, até ao seu desaparecimento em 1486.
Finalmente, é o cronista Garcia de Resende que assinala a última missão de Álvaro de Caminha, registando que “no ano de quatrocentos e noventa e três em Torres Vedras deu el Rei a Álvaro de Caminha, cavaleiro de sua casa, a Capitania da Ilha de São Tomé de juro e herdade com cem mil reis de renda cada ano, pagos na casa da Mina.” Fazendo-se acompanhar de degredados, escravos negros, jovens cristão-novos e agricultores da Madeira, a ele se ficou a dever o início do povoamento e colonização da ilha. Morreu velho, em 1499, na enganada convicção de lhe vir a suceder o sobrinho, Pedro Álvares de Caminha.
Faço notar que a ser a mesma pessoa, regulando a idade de Álvaro de Soutomaior a quem servira de escudeiro, teria morrido em São Tomé entre os 65 e os 70 anos, e que alguns investigadores durante os séculos que desde então decorreram, o confundiram inclusive com o filho primogénito do Conde de Caminha, chamando-lhe D. Álvaro de Caminha e Soutomaior! Parece este, um caso para aplicação do ditado popular que reza “nunca haver fumo sem fogo”!
O Xadrez de Tordesilhas: Colón, “Alpedrinha”, Caminha – Parte 3 – O “Almirante”
D. Jorge da Costa começou a sua carreira eclesiástica em 1463, eleito Bispo de Évora. No ano seguinte, deixava a prelatura do Alentejo e assumia o Arcebispado de Lisboa, cargo a que renunciaria apenas em 1500, a favor do seu irmão D. Martinho da Costa.
Poderá nesse início de carreira ter conhecido o cónego Pedro de Sotomayor quando aquele, já trintão, como se de um Deão se tratasse acorria por terra ou mar aos assuntos de maior peso referentes ao Cabido do bispado de Tui que seu irmão Álvaro mantinha em sede vacante e inacessível pela força da imposta “encomienda”, ao legítimo Bispo D. Luís Pimentel?
Será que no encontro dos soberanos ibéricos ocorrido no Mosteiro estremenho de Guadalupe em 64, no qual se negociaram casamentos de estado, houve D. Jorge da Costa notícia de que ao mesmo Pedro de Sotomayor, o rei Enrique IV pretendia elevar a titular da sede de Santiago, conforme documento apresentado por Gaspar Massó em Pedro Madruga de Soutomayor, caudillo feudal ?
E nos meandros da Corte portuguesa, nos anos setenta, quando Pedro de Sotomayor trocara já o celibato pelo casamento na casa de Távora, senhoriando o sul da Galiza por Portugal, quantas vezes se terão estes dois homens cruzado?
Inclusive na campanha de Toro, em meados desses mesmos anos, sabendo-se pela crónica de Damião de Goes que estiveram juntos ao lado de D. Afonso V, pois “(…) fez ElRey alardo da gente, que comsigo tinha, que com a que veyo (…) com D. Jorge da Costa Arcebispo de Lisboa (…)” e mais adiante, vendo o rei português o estandarte real pelo chão “(…) como desesperado se quizera lançar no meyo dos inimigos desejozo mais de achar quem o matasse, que de viver com desgosto (…)” acção suicida que foi evitada por conselho de uns poucos cavaleiros “(…) e D. Pedralvares de Soutomayor Conde de Caminha, que nesta peleja o sempre acompanharão (…)”.
Que provas poderemos encontrar do conhecimento e eventual amizade destes dois homens, para além de que ambos admiravam e faziam parte do estreito círculo de amigos de D. Afonso V de Portugal? Documentalmente, apenas uma: quando em 1635 D. Rodrigo da Cunha publica em Braga a sua Historia Ecclesiastica dos Arcebispos de Braga, e dos Santos, e Varoens illustres, que florecerão neste Arcebispado, afirmando a dado passo que uma das irmãs do Cardeal, D. Isabel Gonçalves da Costa, se casara com D. João de Sotomayor, filho natural do Conde de Caminha.
Sobre este, deixámos já noutro artigo publicado sob o título Pedro Madruga, Cavaleiro de São João de Rhodes. O tempo dos Navegantes, as razões da nossa convicção de que se chamara efectivamente D. Nuno de Sotomayor, e fora por sua mãe sobrinho do navegador e astrónomo Nicolau Coelho e parente próximo de Diogo Cão, o descobridor do Congo. É tempo de acrescentar novos dados que fortalecem essa hipótese.
Cerca de um ano após Tordesilhas, morreu o rei em Alvor. Sucedeu-lhe no trono o primo D. Manuel e não o filho bastardo D. Jorge, como D. João II tanto queria e talvez a única causa de peso que a vida lhe negou depois da morte prematura do Príncipe D. Afonso nas margens do Tejo. No concreto, negara-lho em Roma o “Cardeal de Alpedrinha”, por não ver nessa vontade o gosto da rainha D. Leonor, nem benefícios de maior para o reino. Assim, grosso modo, a D. Jorge da Costa devia o novo rei de Portugal a sua entronização. O genealogista Alão de Morais conta na sua Pedatura Lusitana de 1670 um curioso episódio revelador deste facto: D. Martinho da Costa “(…) sendo Arcebispo de Lxª acompanhou a ElRei D. M.el de Sacavém pª Lxª e porfiando no caminho sobre as terças das Igreijas q o Arcebpo, lhe não queria largar nem os outros Prelados, E dizendo lhe ElRei, cõ paixão / Não sei quem vos fez Arcebpo. / E elle lhe respondeu / Isso direi a vA. Fez me a mi Arcebpº quem a V.A. fez Rei / (…) E a resposta do Arcebispo não respondeo ElRei nada”.
Manuela Mendonça estabelece que “(…) é impossível falar de confiança mútua ou sequer relações cordiais(…)” entre o rei e o cardeal, sendo que este último lhe não reconhecia a autoridade de monarca, antes lhe exigindo “(…) uma atitude de gratidão permanente pelo trono que lhe oferecera”.
Poderemos assim encarar no âmbito de uma troca de favores, o cargo de Mestre-Sala de D. Manuel, eventualmente obtido para aquele Nuno de Sotomayor por intermédio de seu tio, o Cardeal. Veja-se um exemplo muito similar, citado no Nobiliário de Famílias de Portugal da autoria do genealogista Felgueiras Gaio, respeitante a D. Álvaro da Costa que aquele autor diz ser sobrinho do mesmo prelado e “(…) por respeito dele aumentado (…)”, tendo entrado “(…) Moço no serviço do Sr. Rey D. Manoel q nele pos os olhos e lhe deu o Dom e o fez seu Camareiro, e Armeiro e Provizor e Vedor da Fazenda da Rainha D. Leonor”.
A preocupação com a situação de familiares e amigos foi, aliás, uma das características mais notáveis de D. Jorge, o qual dos inúmeros cargos e benesses que foi acumulando, quase todos distribuiu, “(…) sobretudo na última fase da sua vida, por parentes e criados.”
Um exemplo disso é a sua relação de amizade com os Lucena, tendo patrocinado os estudos de Diogo de Lucena em Bolonha e de Álvaro de Freitas em Perusa, ambos sobrinhos do Dr. Vasco Fernandes de Lucena, Conselheiro de D. Afonso V e embaixador a Roma juntamente com D. Pedro de Noronha e Rui de Pina, na obediência de D. João II ao Papa Inocêncio VIII, em 1485. Espante-se, ou não, nesse tempo Fernão Vasques de Lucena, primo dos anteriores e um dos filhos deste Embaixador, pertencia em Castela ao Conselho dos Reis Católicos! Desconhecemos se com actuação pró ou contra Portugal!
Compreende-se deste modo que no seio estritamente familiar, rapidamente D. Jorge da Costa se tornasse o patriarca dos Costas de Alpedrinha, por quem passariam a grande maioria, senão a totalidade, das decisões e responsabilidades. Matrimónios incluídos, ou não tivesse sido já esse prelado encarregue da política de alianças do reino no tempo do rei Africano!
O ramo de Alpedrinha está no entanto ainda pouco estudado, quiçá por não haver suficiente documentação. A maior parte dos autores antigos, referem três casamentos ao pai do Cardeal e lhe dão vários irmãos e irmãs nascidos entre meados dos anos 20 e finais dos anos 60. Um deles, seu homónimo, nasceu em 1459 e veio a ser Arcebispo de Braga; porém, Manuela Mendonça demonstra documentalmente que esse era sobrinho e não irmão do “Cardeal de Alpedrinha”. Em condições semelhantes devemos considerar aquelas que levaram o patronímico “Gonçalves da Costa”, como D. Isabel, casada com o filho natural do Conde de Caminha, facto que coloca a cronologia do seu nascimento em finais da década de 50, princípios da seguinte, sendo Martim Vaz, o suposto pai de toda esta vasta prole quase septuagenário! Não sendo impossível, tende contudo a suscitar a dúvida.
Irmã de facto, ou sobrinha hipotética, o certo é que foi D. Jorge quem lhe tratou do matrimónio, o qual teve lugar entre Julho de 1476 e Junho de 1480, datas que marcam a concessão do Condado de Caminha a Pedro Alvarez de Sotomayor e a chegada de D. Jorge da Costa à Santa Sé. Deduz-se desta aliança não só a amizade e interesses que ligavam estes dois homens em finais dos anos 70, como também se prova a estreita relação de compadrio que desde então os uniu e se revelou elo fundamental no negócio de Tordesilhas de que vimos falando.
Resta-nos à guisa de conclusão, levantar um outro facto paralelo, infelizmente ainda não documentado que permite levar um pouco mais longe e com algum risco da nossa parte, a atribuição da identidade do Almirante Cristóbal Colón, ao Conde de Caminha. Refere-se ao casamento que o Cardeal conseguiu em Castela para outra das suas irmãs ou sobrinhas, D. Luísa Gonçalves da Costa que supomos um pouco mais nova que a já referida Isabel e portanto, nascida durante os anos 60 do século XV. Segundo todos os genealogistas portugueses, o marido escolhido terá sido um fidalgo castelhano chamado Cristóbal de Cardenas. A informação que deixam é seca e não adianta mais do que isto. Pertenceria este homem à linhagem dos Cardenas de Andujar? Seria por isso, de alguma forma parente próximo do Comendador-Mor de León na Ordem de Santiago D. Gutierre de Cardenas, protector de Colón, fiel servidor de Isabel, a Católica e outro dos subscritores por Castela do texto de Tordesilhas?
Não o documentam as genealogias e disso nos podemos hoje lamentar, pois da mesma forma se inviabiliza a sua hipotética identificação com um outro Cristóbal de Cardenas seu contemporâneo, residente em Sevilla, grande amigo e colaborador do notável pintor andaluz Alejo Fernández (c.1475-1545), autor do tema central de um retábulo conhecido como “Virgen de los Navegantes”, originalmente concebido para a Sala de Audiências da Casa de Contratación de Sevilla e hoje conservado na Sala dos Almirantes do Real Alcazar da mesma cidade.
O retábulo apresenta a Virgem elevada sobre o mar, cobrindo com o seu manto protector figuras eminentes da conquista do continente americano que se supõe serem os Reis Católicos, o Imperador Carlos V, Vespucio, Pinzón e Juan de La Cosa, entre outros. Ao nobre representado de perfil em primeiro plano à direita da Virgem tem sido atribuída a identificação de Cristóbal Colón e fazendo fé nas palavras de Manuel Rosa “(…) é o único retrato oficial de Colón sancionado pelo estado”. Estampa-se de facto, na descrição física que o filho lhe traça na Historia del Almirante Don Cristobal Colón, apresentando-o como “(…) hombre de bien formada y más que mediana estatura, la cara larga, las mejillas un poco altas, sin declinar á gordo ó macilento, la nariz aguileña, los ojos blancos, y de blanco de color encendido; en su mocedad tuvo el cabello blondo, pero de treinta años ya le tenía blanco”.
Assim o terão conhecido também em Córdova ou Sevilla, Fernandez e Cardenas, representando-o mais tarde conforme dele se lembravam, quiçá este último bem mais que o seu mestre, se o indocumentavel acaso o fizera cunhado de D. Nuno de Sotomayor!
Descrita que ficou a aparência do Almirante, não resistimos à opinião de dois homens de quinhentos referindo certas qualidades de duas personalidades aparentemente tão díspares como Colón e Madruga. Fernando Colón dá o mote: “(…) en el comer y beber y en el adorno de su persona era muy modesto y continente(…)”; glosa em seguida Vasco da Ponte, cronista galego, “(…) que nin daría un cornado por durmir fóra no inverno, nin en casa cuberta onde non atopase roupa, sabía durmir enriba dunha talla”; volta o primeiro a afirmar “(…) que era afable en la conversación con los extraños, y con los de casa muy agradable(…)”; remata por fim o cronista: “(…) era moi franco, trataba ben aos seus, pero era moi cruel cos seus inimigos(…)”.
Date Caesari quae sunt Caesaris.
O Xadrez de Tordesilhas: Colón, “Alpedrinha”, Caminha – Parte 2 – A “malha”
No jogo de Tordesilhas, prova-se a rede tentacular do rei de Portugal através do capítulo CLXVIII da Chronica dos Valerosos, e Insignes Feitos Del Rey Dom Ioam II, de Gloriosa Memoria, escrita pelo português Garcia de Resende nos anos 1530-34, no qual se pode ler que D. João II “(…) tanta parte tinha no conselho del Rey, e da Raynha de Castella, que tudo lhe logo era revelado antes de se fazer, e tinha maneira que ao Duque do infantado, e a outros senhores mandava dadivas, e merces publicas, pera os Reys de Castella se guardarem, e nam fiarem delles, porque sabia que não erão os do seu secreto, e aos de que mais se fiavão dava merces tão grandes, e tão secretas, que todolos conselhos e segredos lhe erão descubertos primeiro que nenhuma cousa se fizesse”.
Vinte anos mais tarde, Bartolomeu Las Casas mostrava-se indignado com a deslealdade portuguesa, reproduzindo e pormenorizando este texto no capítulo 87 da Historia de las Índias “(…) para aviso de los Reyes (…)” e concluindo-o com um desabafo em que refere “(…) cuánta es la maldad de los infieles consejeros, y como los Reyes viven y gobiernan en mucho trabajo”.
Veja-se o exemplo do Dr. Rodrigo Maldonado de Talavera, Ouvidor do Conselho dos Reis Católicos e um dos subscritores de Tordesilhas pela parte de Castela. Negociara já com Portugal o pacto de Alcáçovas-Toledo, passou a receber uma tença anual de 6 escravos “de 15 a 30 anos” do rei de Portugal desde Abril de 1483 (confirmada em 1497 por D. Manuel I) e foi um dos elementos escolhidos para integrar a Junta de Salamanca que três anos mais tarde avaliou negativamente o projecto de Colón. Citemos, uma vez mais Manuel Rosa: “Para que pagava D. João II ao Doutor Rodrigo Maldonado uma tença anual se não recebia nada de recompensa?”
Pela nossa parte, defensores de um Almirante a quem certo bufão do Imperador Carlos V chamará“ladrón que desesperó”, a pergunta vai ainda mais além: a quem serviu, na realidade, essa recusa da Junta de 1486, senão os interesses de um Portugal que se vira então confrontado com a fuga de informação que Colón procurava oferecer a Castela?
Conjecturas à parte, analisemos alguns dos elementos da “rede” de Tordesilhas.
Quem era nesse tempo mestre-sala de Isabel, a Católica? Martim de Távora, o irmão da Condessa de Caminha, “fugido” ou “enviado” para Castela anos antes, a coberto do “expurgo” do reino arquitectado por D. João II. Estava casado com Leonor Correia, irmã do capitão donatário da ilha açoriana da Graciosa e que já o fora de Porto Santo, Pedro Correia que a história colombina celebrizou como o cunhado do Almirante que segundo o mesmo Las Casas “(…) le certifico que en la isla de Puerto Sancto había visto outro madero venido com los mismos vientos y labrado de la misma forma, e que también havia visto cañas muy gruesas, que en un coñuto dellas pudieran caber trez azumbres de agua o de vino”.
Estas relações familiares estão registadas nos principais nobiliários portugueses e por elas se deduz a singular afirmação de que tanto Cristóbal Colón como o Conde de Caminha D. Pedro Alvarez de Sotomayor se podiam considerar, à luz das linhagens de antanho, como “cunhados” daquele Pedro Correia!
Já os deste apelido gravitavam entre o senhorio de Fralães, nos arredores de Barcelos e o de Goián, no sul da Galiza, nas margens do Minho frente à fortaleza de que era titular o Visconde D. Leonel de Lima, parente próximo e grande aliado do Conde de Caminha. Oriundos deste último solar, dois Gomes Correia, pai e filho, actuavam respectivamente como escudeiro e tesoureiro do Cabido de Tui, às ordens dos Sotomayor, conforme documentação levantada por Maria Sánchez Carrera em El Bajo Miño en el siglo XV. El Espacio y los Hombres, edição de 1997.
Manuel José da Costa Felgueiras Gaio, genealogista maior do século XIX português, identifica no seu Nobiliário de Famílias de Portugal, dois irmãos de parentesco muito próximo com todos os anteriores, apresentando a particularidade de serem netos de ambas as Casas – Fralães e Goián: Francisco e Gonçalo Correia. O primeiro contraiu matrimónio com uma sobrinha do “Cardeal de Alpedrinha”; o segundo foi criado do mesmo D. Jorge, não se especificando o tempo que o serviu, mas atendendo à cronologia tê-lo-á feito a partir dos anos 70 e, eventualmente, algum tempo já em Roma.
Retomemos a teia do “Príncipe Perfeito”.
Quem foram os seus dois negociadores e representantes presentes em Tordesilhas no dia 7 de Junho de 1494, na qualidade de embaixadores de Portugal? Rui de Sousa, o homem que o rei D. Afonso V enviara em Janeiro de 1475 a ” D. Fernando, e à Rainha D. Isabel, que em Valhadolid estavam em festas e justas reaes, notificando-lhes como por ser casado com a Rainha D. Joana filha legítima d’El-Rei D. Anrique, os reinos de Castella lhe pertenciam, requerendo-os e amoestando-os com as razões e protestações que n’isso cabiam, que se fossem dos ditos reinos e lh’os lheixassem livres”, segundo as palavras de Rui de Pina no capítulo CLXXIV da Chronica d’El-Rei D. Affonso V.
Quando, na sequência desta acção, o rei português invade Castela pela Extremadura, Pedro Alvarez de Sotomayor declara em Tui o sul da Galiza como terra de obediência lusa. Damião de Goes, no capítulo LII da Chronica do Sereníssimo Príncipe D. João, clarifica que “(…) se começou huma cruel guerra (…) que foy a mais crua, e sem piedade, que toda a das outras Comarcas, porque nella se fizerão muytas entradas, e danos de huma, e de outra parte, nas quaes entradas Pedralvres de Soutomayor, Gallego de nação, tomou a Cidade de Tui, e Bayona do Minho, e as teve por Portugal, com outros lugares visinhos, até fim destas guerras chamando-se Visconde de Tui, e fez continua, e brava guerra aos Gallegos, roubando, e destruindo muytos lugares de toda aquella Província.”
Essa guerra cruel, terminou na claudicação portuguesa de Toro, onde à laia de facto curioso, novamente um Correia se faz destacar, a fazer fé nas palavras de Rui de Pina, quando o Príncipe D. João na hora antes do recontro deu “(…) à sua gente por apellido S. Jorge e S. Christovão, S. Jorge por padroeiro de Portugal, e S. Christovão por devoção de Jorge Corrêa, Commendador do Pinheiro, que na mesma hora lh’o lembrou (…)”.
O que liga então este “Pedralvres de Soutomayor” a Rui de Sousa, ao lado de quem, aliás, também combateu em Toro? Igualmente sua mulher, a futura condessa D. Teresa de Távora, prima co-irmã daquele Embaixador, o que o levaria, na prática, a dirigir-se a Rui de Sousa como “Senhor meu Primo”.
Pela mesma ordem de ideias, o outro negociador de Tordesilhas, João de Sousa, seria igualmente primo do Conde de Caminha, por serem os dois embaixadores pai e filho.
Assim, envolvidos num importante assunto do reino relativo à descoberta das Índias e ao domínio dos mares, temos homens da estrita confiança de D. João II e se entendermos como certo que o titular de Caminha, Pedro Alvarez de Sotomayor, outrora conhecido como “Pedro Madruga” vivia ainda, sob a identidade do Almirante Colón, temos o “falso genovês” como charneira de todas estas personalidades: amigo do Rei, cunhado do Mestre-Sala dos Católicos, primo dos principais subscritores do texto de Tordesilhas. Para que tudo o que acima fica dito continue pleno de sentido, apenas fica por considerar qual poderia ser a relação do “Cardeal de Alpedrinha” D. Jorge da Costa, com o alter-ego de Cristóbal Colón.