Não é possível ainda hoje identificar com precisão quem foi este Álvaro Paes de Soutomaior que, entre os anos de 1300 e 1303, durante o reinado de Fernando IV, recebeu o cargo de «Almirante de la Mar».
Os antigos livros de linhagens não mencionam este cargo a ninguém da casa de Soutomaior, nem mesmo a um hipotético filho do almirante Paio Gomes Charino, uma vez que há registos de uma sua filha se chamar Teresa Paes de Soutomaior, e conhecer-se a existência de um Álvaro Paes, irmão desta. Este último tem sido apontado como a melhor hipótese para a sua identificação, mas para tal é necessário que existissem na mesma geração, dois filhos de Charino – um legítimo e o outro não – ambos com os mesmos patronímicos: Álvaro Paes.
Um deles, o ilegítimo, apenas dispensado da sua bastardia por bula papal de 1332, está actualmente bem identificado como sendo o franciscano bispo de Silves (Portugal), entre 1334 e 1352. Como data de referência para o seu nascimento é apontado o ano de 1270, e o local da sua educação primeira, a corte de Sancho IV, de quem Paio Gomes Charino era grande valido. Entre finais do século XIII e princípios do seguinte, Álvaro Paes encontrava-se na Universidade de Bolonha, cursando direito civil e canónico, logo muito longe de poder ser identificado com o referido «Almirante de la Mar».
Por isso se conjectura que Paio Gomes Charino tivesse um outro filho, legítimo, chamado Álvaro Paes, e que usasse do apelido Soutomaior, como a sua irmã Teresa. Cronologicamente a identificação faz sentido; no espaço físico também, mas deverá ser equacionado um facto: Charino fora assassinado a mando da regência, por apoiar a facção que se opunha à coroação de Fernando IV, comprometendo desse modo a restante linhagem, não sendo pacífica a nomeação de um seu filho para o cargo de almirante, ainda em tempo da regente Maria de Molina.
Recentemente, o historiador tudense Suso Vila, publicou um volumoso estudo inteiramente dedicado à Casa de Soutomaior (1147-1532), onde deixa o alerta para essa identificação, preferindo atribuí-la a Álvaro Paes, senhor de Soutomaior nos reinados de Fernando III e Alfonso X, senhorio em que sucedera a seu pai durante a década de vinte do século XIII. (Vila, 2010, pp. 26)
Seguiu a genealogia tradicional da linhagem, copiada sem questões desde o Conde D. Pedro, mas na qual se verificam algumas incongruências cronológicas, nomeadamente no que se refere aos irmãos daquele Álvaro Paes. Atendendo à opinião do padre Francisco Ruano na sua magna obra acerca da Casa de Cabrera en Córdoba, tanto Mem Paes como Rui Paes de Soutomaior, estiveram na conquista de Córdoba em 1236, acompanhando seus tios Pedro e Suero Mendes. A todos couberam «repartimentos» que viriam a dar origem aos senhorios de «El Carpio» e de «Torre de Mendo Paes». (Ruano, 1779, pp. 162-163)
O chefe da linhagem fora um dos heróis de Navas de Tolosa (1212), Paio Mendes Sorredea, senhor de Soutomaior, «preciado tanto de los Reyes i altos señores, que cada uno le queria consigo» – conforme opinião registada no Livro de Linhagens do Conde D. Pedro. Não foi a Córdoba por já ter morrido, uma vez que em 1231, seu filho Álvaro Paes estava já à frente das terras e castelo de Soutomaior, na Galiza, reinando Fernando III «o Santo». Sendo cabeça de linhagem de solar conhecido, Álvaro Paes de Soutomaior não acompanhou aqueles seus irmãos, Mem e Rui Paes, à aventura de Córdoba.
É precisamente a identificação deste Rui Paes que lança alguma confusão na genealogia proposta pelo Conde D. Pedro, pois a ele se deve atribuir a titularidade, em 1205, do castelo de Puebla de Eca, na região de Almazán (Soria), facto documentado e apresentado por Angél Almazán de Gracia na Revista de Soria. No entanto, essa realidade inviabiliza que aquele Rui Paes seja o mesmo, morto na batalha de Paxarón contra D. Diego López de Haro, em 1289, «aonde el iva por Caudillo del Rey Don Sancho de Castilla», conforme atesta o já mencionado Livro de Linhagens. Assim sendo, Rui Paes de Soutomaior teria morrido em combate… com cerca de cem anos! Pela mesma ordem de ideias, e seguindo a Suso Vila, teríamos o seu irmão Álvaro Paes, Almirante de la Mar, a exercer o cargo com perto de cento e vinte anos! (Almazán, 1995, Nº 9, pp. 20; Vila, 2010, pp. 26)
Desse modo fará sentido considerar-se um segundo Rui Paes, filho do anterior, o que explicaria a confusão cronológica estabelecida. A este segundo Rui Paes de Soutomaior deveria atribuir-se a identificação com o adiantado-maior da Galiza, morto em 1289 ao serviço de Sancho IV, provavelmente já sexagenário. Também só dessa forma seria cronologicamente possível, que Teresa Rodrigues, filha daquele, pudesse contrair um segundo matrimónio com Garcia Lasso de la Vega «o Velho», valido do rei Alfonso XI (1312-1350), chanceler, adiantado e justiça-maior de Castilla, falecido em 1326.
Não há hoje forma de estabelecer documentalmente, qual o parentesco deste Garcia, com o almirante Pedro Lasso de la Vega, que ocupou o cargo em 1278 juntamente com Pedro Martinez de Fe. Nessa época, segundo explica M. Jorge Parada Mejuto, co-existiam por vezes dois titulares do cargo: um responsável pela costa atlântica, comandando a frota de barcos «mancos», ou seja os navios à vela – o Almirante de la Mar -; e o outro pela zona mediterrânica, comandando as galeras da Coroa – o Almirante de Sevilla. Pedro Lasso estaria encarregue da primeira, uma vez que a armada que foi tragicamente derrotada em Algeciras no ano de 1279, navegava sob o comando de Martinez de Fe. Cronologicamente podemos aceitar aquele Pedro Lasso como pai ou tio do «velho» Garcia acima mencionado, o que pode representar uma aliança da casa de Soutomaior com um dos primeiros titulares do cargo de «Almirante de la Mar». (Parada Mejuto, 2007, pp. 143-144)
Contudo o Conde D. Pedro apresentou Rui Paes como irmão de Álvaro Paes, apesar de induzido em erro no tempo cronológico. Consequentemente esse parentesco deverá ser tido em conta, levando-nos de novo aos filhos de Paio Gomes Charino, dos quais se conhecem dois com esses nomes. Sendo assim, a necessária existência do segundo Rui Paes torná-lo-ia ou no filho do primeiro do mesmo nome, ou no filho do almirante Charino!
Pelo que fica dito, e não se tratando de nenhum filho de Paio Gomes Charino, apenas há conhecimento de mais dois Álvaro Paes na casa de Soutomaior, cronologicamente compatíveis com a nomeação para «Almirante de la Mar» no dealbar do século XIV: o neto do seu homónimo acima referido, a quem o Conde D. Pedro chama Álvaro Peres; ou o neto do conquistador de Córdoba Mem Paes de Soutomaior.
Quanto ao primeiro, Suso Vila é claro quando refere com estranheza, a inexistência de documentação coeva onde seja mencionado. Como tal, deveremos cingir-nos à sequência onomástica atribuída pelo Livro de Linhagens, que a um filho de Álvaro corresponde o patronímico «Álvares» e a um filho de Pedro um patronímico «Peres». Atrevemo-nos a contestar esta asserção do Conde D. Pedro, até porque na sucessão de gerações conhecidas na casa de Soutomaior não se repete o patronímico «Peres», antes sim o «Paes», oriundo de Paio Mendes, o das «Navas de Tolosa» e primeiro que usou a identificação da linhagem dos de «Soutomaior». Para mais, o próprio Suso Vila propõe uma documentada Ana Paes de Soutomaior, para irmã daquele. Também outro autor, Alfonso Vázquez Martinez, que publicou no Boletim do Museo Arqueolóxico de Ourense um estudo dedicado ao Castillo de Fornelos (Creciente) – senhorio herdado pela mulher daquele suposto Álvaro Peres – se lhe refere com o patronímico de «Paes». (Vila, 2010, pp. 27-28; Martinez, 1948, vol. IV, pp. 151, 156)
A ser correcta a proposição anterior, teríamos um Álvaro Paes à cabeça das terras e castelos de Soutomaior e Fornelos em finais do século XIII, com cerca de quarenta anos de idade, maduro o suficiente para assumir a responsabilidade do referido cargo. Para mais, um dos seus filhos, Paio Sorredea, viria a casar com Juana, filha de Diego Gomez de Castañeda, Almirante de la Mar no ano de 1311, demonstrando essa aliança, mais uma vez, a forte ligação da casa de Soutomaior aos detentores do almirantado, pois já Pedro e Nuno Diáz de Castañeda, respectivamente pai e tio de Diego, tinham representado o mesmo cargo em simultâneo, por sucessão a Charino, entre 1286 e 1291, conforme estudo acerca do Almirantazgo de Castilla: Historia de una institución conflictiva (1250-1560) da autoria de José Manuel Calderón Ortega.
Esse autor esclarece ainda o importante papel desempenhado por Álvaro Paes de Soutomaior, enquanto regulador da instituição do almirantado, sendo da sua responsabilidade um instrumento legal conhecido como «Ordenamiento de los Guindajes», datado de 4 de Fevereiro de 1302. Segundo Calderón Ortega, naquele texto recolhem-se os direitos económicos pertencentes ao cargo de «Almirante de la Mar», e referentes à carga e descarga de navios nos portos da Andalucia. Seria necessário um homem com bastante experiência nos meandros do comércio marítimo de então, para ordenar com mérito todo esse conjunto legislativo. Esse facto, por si só, prova que já na transição entre os séculos XIII e XIV, a casa de Soutomaior se encontrava ligada aos assuntos do mar, não só pela sua localização estratégica, como pelo domínio que exerciam os seus membros sobre as rias baixas galegas. (Calderón Ortega, 2003, pp. 31-32, 202)
Não cabendo a este senhor de Soutomaior a atribuição do referido cargo, resta apenas uma outra hipótese identificativa: um seu primo segundo, também chamado Álvaro Paes de Soutomaior, filho de outro Paio Mendes e neto daquele Mem Paes, conquistador de Córdoba em 1236, já referido. Ramo segundo da casa de Soutomaior, para além do senhorio da Torre de Mendo Paes naquela cidade andaluz, mantinha na Galiza todo o território vizinho a Soutomaior, entre os rios Otaivén e Verduxo, na faldas da serra do Suido, então referenciado pelo nome de Pedreira, e hoje conhecido por San Martiño de Verducido, no município pontevedrês de A Lama.
Este Álvaro Paes a que nos referimos, cumpre igualmente a cronologia adequada, sendo homem entre os trinta e quarenta anos na transição do século XIII para o XIV. Seu irmão primogénito chamou-se Mem Paes de Soutomaior e foi o progenitor do ramo dos mestres da Ordem de Alcântara, condes de Belalcázar e duques de Bejar. Sua mãe, Inés Martins, deveria pertencer à família Topete, uma vez que um dos seus irmão se chamou Martim Topete. Este por seu turno, deverá ter sido o progenitor da linhagem dos Topete que se radicou em terras alcantarinas, a instâncias dos parentes D. Juan e D. Gutierre de Sotomayor, por quem tiveram comendas da referida ordem.
Revelador será sem dúvida, o facto destes Topete, mesmo fora da Galiza e já radicados na Extremadura de Castilla, continuarem ligados aos assuntos do mar, como o prova a documentação existente acerca de Gonzalo Sánchez Topete, tio do mestre de Alcântara D. Gutierre de Sotomayor, a quem o rei Juan II de Castilla (1406-1454) nomeou «Capitán- General de la Mar». O recurso à análise heráldica, evidencia e sistematiza igualmente esse facto. Senão vejamos: o primeiro brasão que se identifica com a linhagem dos Topete, é claramente enraizado no tronco comum com os Soutomaior – um campo faixado de sete peças, a primeira e a última de negro, a terceira e quinta de prata e as segunda, quarta e sexta axadrezadas de ouro e vermelho de duas ordens. O segundo brasão é posterior e trata-se de uma evolução do primeiro, passando o campo a ser de prata e as três faixas axadrezadas a ser ondadas de azul, óbvia referência ao tema marítimo. Finalmente o acima mencionado capitán-general de la Mar, recebeu do rei Juan II um escudo cortado – no primeiro uma gávea de negro atravessada por cinco setas da mesma cor, e no segundo um ondado de prata e azul.
Necessário se torna concluir, perante o que acima fica dito, que o XIII Almirante de la Mar, Álvaro Paes de Soutomaior, foi oriundo da região de Pontevedra, onde terá nascido na segunda metade do século XIII, filho da casa de Soutomaior, ou das colaterais de Verducido ou de Rianxo.
A relevância social do almirante nessa época, foi analisada por Calderón Ortega e serve para atestar que a memória da existência de tal cargo numa linhagem não seria esquecido, decerto, antes de três ou quatro gerações, senão mais. Baseia-se aquele investigador no texto das Partidas de Alfonso X, para determinar que o cargo de almirante era de grande consideração, gerava importantes ganhos e popularidade. Deveria ser ocupado por um competente marinheiro («sabidor del fecho de la mar e de la tierra»), de nobre estirpe (que sea de buen linaje, para aver vergença»), valente e capaz de exercer a liderança num ambiente difícil e perigoso como é a guerra no mar. (Calderón Ortega, 2003, pp. 193; Alfonso X, 1807, tomo II, pp. 259-260)
É de crer que Álvaro Paes de Soutomaior possa ter morrido na primeira ou segunda década do século XIV. Na segunda metade do século seguinte, quando Pedro Álvares de Soutomaior, futuro conde de Caminha tomou a chefia da casa que fora de seu irmão, tinham decorrido quatro gerações e quase século e meio. Forçosamente se transmitiria ainda, para glória da linhagem, a memória de um Álvaro Paes de antanho, que fora «Almirante de la Mar». A ser Pedro Madruga o almirante Cristóbal Colón, certamente saberia que «não era o primeiro almirante da sua família».