A língua de Cristóvão Colom
José-Martinho Montero Santalha
(Universidade de Vigo)
Falando de viagens –tema central deste congresso–, não estará fora de lugar ocuparmo-nos desse extraordinário viageiro que foi Cristóvão Colom, descobridor de América em 1492: em primeiro lugar, porque neste ano 2006 cumprem-se quinhentos anos do seu falecimento, ocorrido na cidade castelhana de Valladolid em maio de 1506; e em segundo lugar, porque, como é sabido, uma das teorias sobre a identidade do descobridor situa o seu lugar de origem na Galiza.
O famoso navegante é conhecido em castelhano sob o nome de Cristóbal Colón. Esta forma do seu nome, usada por ele mesmo de maneira sistemática em muitos escritos, e por muitos outros escritos contemporâneos que o afectam, está portanto bem justificada em castelhano. Na nossa língua, os portugueses referem-se a ele sob a forma de Cristóvão Colombo: quer dizer, adaptam o nome pessoal (Cristóbal para Cristóvão), como se faz em geral com a maioria das personagens históricas, e para o apelido adotam a forma italiana Colombo (embora não tenha sido sempre assim nos escritores portugueses).
Como se vê pelo mesmo título desta comunicação, uso, como os irmãos de língua portugueses, o nome Cristóvão, correspondente na nossa língua ao Cristóbal castelhano, mas, pelas razões que logo se irão vendo, prefiro para o apelido a forma graficamente regular do apelido galego Colom (existente pelo menos desde o século XIV, e ainda hoje vivo sob a forma castelhanizada graficamente Colón).
Vou-me centrar fundamentalmente no tema da língua de Colom, dado que, ademais de possuir especial relevância para uma possível origem galega, corresponde melhor à minha especialização filológica.
Na verdade, o estudo da língua empregada por Cristóvão Colom nos seus escritos constitui uma parte da investigação da sua personalidade, enigmática ainda hoje em vários aspectos.
Colom como enigma histórico
A respeito da figura histórica de Colom, existe uma imagem «canónica», por assim dizer, que é a que se transmite habitualmente nos manuais de história, nas enciclopédias e na maioria dos abundantes estudos biográficos ou históricos sobre a personagem.
Resumindo, o descobridor de América seria originariamente um italiano chamado Cristóforo Colombo, bem documentado, genovês na sua origem familiar, que teria nascido arredor de 1450, e de profissão seria cardador de lã e taverneiro; logo, depois de algumas peripécias como navegante, moraria em Portugal durante vários anos; e finalmente, estabelecido no reino de Castela, conseguiu que os Reis Católicos acolhessem e apoiassem a sua iniciativa de viajar até Oriente pelo mar ocidental e assim foi constituído em «almirante» da expedição do «descobrimento» de América, em 1492, realizada sob o patrocínio económico e político dos ditos Reis Católicos.
Ora, contra essa imagem tradicional e habitual da figura histórica de Colom têm-se apresentado várias dificuldades de diversa índole.
Aduzem-se, antes de mais, dificuldades cronológicas, pois as datas que conhecemos do Cristóforo Colombo genovês não são sempre fáceis de conciliar com o que sabemos do Colom almirante, mormente se atendermos aos seu próprios testemunhos escritos.
Tampouco fica clara a origem da sua formação cultural, cuja explicação não resulta plenamente satisfatória nessa peripécia vital. Claro está que, numa pessoa inteligente, não se pode minusvalorar a capacidade de aprendizagem autodidacta, mas, ainda assim, não é fácil estabelecer donde lhe veio a um taverneiro e cardador de lã a boa cultura que tinha: nos seus escritos o almirante mostra conhecer bastante bem o latim, e mover-se com certo domíno na cultura clássica e bíblica. Por outro lado, nas suas viagens a América demonstrou ser um bom conhecedor da técnica naval: onde apreendeu um taverneiro e cardador de lã a arte –e ciência– da navegação? Será possível explicar esses magníficos conhecimentos como fruto dos seus anos de experiência como navegante e da sua estadia em Portugal? Mas não faltam motivos para duvidar de que isso tivesse sido suficiente.
Resulta também surpreendente o seu uso linguístico: o Cristóvão Colom almirante não emprega nos seus abundantes escritos conservados o italiano (em nenhuma das suas variantes), como seria de esperar, nem sequer apresenta italianismos claros.
Foram estas dificuldades para identificar o descobridor com o Cristóforo Colombo genovês as que têm feito surgir diversas interpretações alternativas da sua origem: frente à imagem «canónica» de um genovês, têm surgido propostas diversas (e abertamente contraditórias entre si): entre outras, há autores que defendem que era catalão (ou balear), corso, estremenho, português… –e também galego.
A tese de Colom galego
A tese da origem galega (da zona de Pontevedra) de Cristóvão Colom difunde-se desde os inícios do século XX, por obra primeiramente do pontevedrês Celso Garcia de la Riega, cuja figura merece ser reivindicada e defendida perante os ataques injustos e as calúnias de que foi alvo (especialmente depois da sua morte, quando já não podia defender-se): por cima das naturais discrepâncias que podem surgir a respeito das suas afirmações, e até dos seus ocasionais errores, está fora de qualquer dúvida a sua honradez intelectual; por exemplo, não é verdade (como ainda hoje alguns –mal informados– continuam afirmando) que tenha falsificado os documentos medievais pontevedreses que falam dos Colom.
Depois de Garcia de la Riega a origem galega de Colom foi defendida e desenvolvida nos seus pormenores por bastantes outros escritores.
Em favor da natureza galega de Colom aduzem-se vários argumentos (ou, se quisermos falar com mais cautela, indícios). Entre outros, podemos citar os seguintes:
1) O apelido (de) Colom: é frequente em Pontevedra nos séculos XV, XVI, XVII e XVIII, especialmente em gente relacionada com o mar. (Dado que aparece usado habitualmente com a preposição de, poderia tratar-se de um topónimo: hoje não parece existir um topónimo Colom, mas poderia corresponder a Corom, lugar da freguesia de Caleiro, no actual concelho de Vila Nova de Arousa.)
2) O ambiente de Pontevedra no século XV, como importante porto comercial, com relações marítimas com outros portos europeus, e com estaleiros de construção naval.
3) A toponímia imposta por Colom em América aos lugares a que chegava, tal como a temos documentada nos seus próprios escritos: embora muitos desses topónimos apareçam também noutras zonas da península ibérica, alguns podem considerar-se mais caracteristicamente galegos; por exemplo, S. Salvador (de Poio), Río Jallas, Río Miño, Isla de Gracia (que era o nome medieval da ilha de Tambo, na ria de Pontevedra, por existir nela uma capela dedicada a Nossa Senhora da Graça)…
4) Há ainda outros indícios vários.
Por exemplo, a festa que Colom celebra no dia 18 de dezembro de 1492 só se pode explicar tendo em conta que esse dia, festa litúrgica de Nossa Senhora do Ó, é (ainda hoje!) o dia de festa tradicional dos marinheiros da cidade de Pontevedra. Assim a contou Colom no seu diário:
«Martes, 18 de diziembre. […] Luego en amaneciendo mandó ataviar la nao y la caravela de armas y banderas por la fiesta que era este día de Santa María de la O, o conmemoración de la Anunciación. Tiráronse muchos tiros de lombardas» (Diário da 1ª viagem, ano 1492).
Outro indício é a sua relação epistolar, em tom de grande confiança e afecto, com um «Joám d’ Ai», que se tem identificado erradamente como inglês, supondo que o seu nome fosse «John Day». Mas esta identificação carece de fundamento: Joám (que não é o mesmo que John) é nome galego-português corrente, e o apelido «d’ Ai» (que, naturalmente, podia ser escrito também Day ou com outras grafias equivalentes) está bem documentado em Pontevedra na época medieval, e faz referência ao topónimo Ai, lugar ainda hoje existente e pertencente à freguesia de São Lourenço de Nogueira, no concelho de Meis, não longe de Pontevedra.
Ainda outro indício que precisa explicação é a casa e quinta de Porto Santo, em Poio (na outra margem do porto de Pontevedra), que pertenceu aos herdeiros de Colom durante muitos anos: como podia um navegante genovês (e os seus herdeiros, que viveram longe da Galiza) possuir esse tipo de propriedades numa zona rural da beiramar galega se não tinha relações vitais com a zona?
A língua de Colom: o estudo de Menéndez Pidal
Sobre a língua de Colom o estudo mais conhecido é o de Ramón Ménéndez Pidal, publicado na sua versão definitiva em 1942:
Ramón Menéndez Pidal (1942): «La lengua de Cristóbal Colón», em La lengua de Cristóbal Colón, el estilo de Santa Teresa y otros estudios sobre el siglo XVI, Buenos Aires / Madrid: Espasa Calpe («Colección Austral», volume núm. 280) [5ª ed. 1968]).
Depois de analisar alguns autógrafos de Colom, Pidal chega a umas conclusões que podemos resumir assim:
1) Colom escreve (quase) sempre em castelhano, mas por diversos testemunhos contemporâneos sabemos que o castelhano não era a sua língua nativa.
2) Menéndez Pidal constata nos escritos autógrafos de Colom abundantes portuguesismos (comparáveis aos dos poetas portugueses que usam o castelhano no Cancioneiro de Resende).
3) Pidal crê que não há traços caracteristicamente galegos mas portugueses («el dialectalismo colombino es portugués y no gallego»: p. 15), e daí deduz que deveu de apreender o castelhano em Portugal.
Visto desde hoje e com perspectiva mais ampla, o estudo de Menéndez Pidal apresenta várias eivas. De facto, teve diversas réplicas, especialmente desde a Galiza; eis a seguir algumas amostras.
O escritor e político galego Salvador de Madariaga é autor de uma conhecida obra sobre Colom, na qual defende a tese da origem judia do navegante: supõe que os antepassados de Colom eram judeus catalães ou baleares que escaparam a Génova fugindo da persecução dos judeus em 1391 no reino de Aragão; e a respeito da língua considera impossível que um emigrante italiano estabelecido em Portugal pudesse adotar como língua própria o castelhano:
«El castellano ocupaba entonces en Lisboa una situación muy fuerte; pero de aquí a imaginar que un inmigrante italiano que se instala en Portugal va a aprender el castellano con preferencia al portugués y a hablarlo y escribirlo con exclusión total de la lengua de su país de origen y de la lengua de su país de adopción (pues al casarse se afincó en Portugal) hay un abismo que no es razonable salvar» (Madariaga, Salvador de (1940): Vida del muy magnífico señor don Cristóbal Colón, Buenos Aires).
Em vários artigos de jornal aparecidos desde o ano 1951, Francisco Romero Lema rebateu a afirmação de que Colom usasse dialectalismos inexistentes no português da Galiza, e indicou diversos galeguismos léxicos:
Rosendo Ruiz [pseudónimo de Francisco Romero Lema] (1951): «Un galleguismo de Colón», em: Faro de Vigo (Vigo), 19 de Junho de 1951.
Rosendo Ruiz (1953): «La lengua de Colón», em: La Noche (Santiago de Compostela): série de artigos publicados nos dias 25, 28 e 30 de Abril e 2 de Maio de 1953.
Rosendo Ruiz (1959-1960): «Galleguismos de Colón», em: La Noche (Santiago de Compostela): série de artigos publicados nos dias 28, 29 e 30 de Dezembro de 1959 e 1, 2 e 4 de Janeiro 1960.
Francisco Romero Lema (1969): La lengua de Cristóbal Colón, A Corunha: Editorial Moret, 52 pp. [Recolhe os diversos artigos publicados desde o ano 1951 na imprensa galega sob o pseudónimo de Rosendo Ruiz, com correcções e acrescentamentos, e introduz um novo capítulo intitulado «Algo más sobre Colón» (pp. 33-48) e um «Apéndice» (pp. 49-50)].
Também o Padre Aureliano Pardo, rigoroso estudioso de temas históricos galegos, de reconhecido mérito, se pronunciou desde 1956. Escrevia em carta privada em 1956, depois de ler o trabalho de Menéndez Pidal:
«Deseaba conocer el trabajo de Menéndez Pidal sobre el lenguaje de Colón, pero sufrí la mayor decepción con su lectura. Escribe obsesionado por la idea de alejar a Colón de Galicia y de España, y para ello afirma que no hay galleguismos en sus escritos y trata de borrar todo vestigio del idioma gallego en su lenguaje castellano, convirtiendo los galleguismos en portuguesismos de la manera más arbitraria. […] No podía sospechar que un hombre del prestigio de Menéndez Pidal descendiese a un plano tan bajo, […] y que admitiese a ciegas lo del Colombo lanero y descubridor, con sus documentos apócrifos y sus afirmaciones gratuitas y contrarias a la verdad y a lo que Colón cuenta de su vida en algunas de sus cartas a los Reyes Católicos. […] Yo no le quito el mérito que como filólogo pueda tener en su estudio de la lengua de Colón. Estará tal vez muy bien en la teoría, pero descendiendo al terreno de la realidad y de la verdad histórica son demasiado visibles y notorias las claudicaciones. Negar que existan galleguismos en los escritos de Colón […] Hacer una semblanza fantástica del mismo […] Citar como auténticas las cartas de Colón al Oficio de San Jorge de Génova y a Oderigo […] Vamos, que hay que ser un poquito despreocupado y otro tantico osado. Perdone, Sr. Presidente de la Real Academia Española! ¡Perdone si acaso se desliza un poco la pluma!» (Carta a Modesto Bará, de Pontevedra, datada em Padrom em 9 de fevereiro de 1956).
Sobre o tema em litígio escreveu também o Padre Aureliano Pardo um artigo, que se publicou postumamente em 1961:
«Lo menos que puede concederse, en buena lógica, es que las palabras gallego-portuguesas puedan llamarse indistintamente galleguismos o portuguesismos. Menéndez Pidal, al calificarlas exclusivamente de portuguesismos, da a entender que desconoce el idioma gallego o que, si lo conoce, prescinde en absoluto de su conocimiento para formular su juicio sobre el lenguaje de Colón» (Vida Gallega (Vigo) 1961).
Poderíamos ainda citar outros testemunhos de oposição à tese de Menéndez Pidal. Limito-me a aduzir referências ao escritor e filólogo Méndez Ferrín, a Alfonso Pihilippot Abeledo (autor de um extraordinário estudo sobre Colom) e ao filólogo e professor António Gil Hernández.
Sobre o estudo de Ménéndez Pidal manifestou-se Méndez Ferrín num dos seus artigos de jornal, do ano 1986:
«Os argumentos que poden utilizarse para situar en Pontevedra a patria de Colón son bons. Mesmo son moi convincentes. Pero existe unha casta de tímidos, de galegos encolleitos que ainda andan atemorizados por un dictame precipitado e pouco científico da Academia da Historia […]. Son os mesmos galegos cultos que aceitan, con naturalidade, as barbaridades que Menéndez Pidal escribiu sobre o idioma de Cristóbal Colón» (Xosé Luís Méndez Ferrín, Faro de Vigo (Faro del Lunes) (Vigo), 17 de Novembro de 1986).
O estudo de Pihilippot é este:
Alfonso Philippot Abeledo (1991): La identidad de Cristóbal Colón, Vigo [5º ed. 2004, 744 pp.]. [Magnífico estudo de conjunto da tese de Colom galego, com um capítulo sobre a língua; ademais, identifica-o com Pedro Madruga, o famoso Conde de Caminha (e Soutomaior), com argumentos dignos de atenção. Existe também uma versão reduzida em galego: Colón, galego: o almirante das mil facianas, Noia: Ed. Toxosoutos 2006].
Posteriormente, o também linguista e escritor António Gil Hernández prestou atenção mais demorada ao trabalho de Pidal:
António Gil Hernández (1992): «A respeito de «La lengua de Cristóbal Colón». Apontamentos ao «estudio» (1940) de D. Ramón Menéndez», in Nós (Braga / Ponte Vedra), núms. 29-34, Atas do Congresso Internacional «A língua portuguesa no mundo, terceira língua de comunicação internacional, 200 milhões de lusófonos. Em homenagem aos Professores Lindley Cintra e Manuel Ferreira, pp. 103-112.
Sobre a língua de Colom existem ainda outras teorias.
Alguns creram descobrir nela sefarditismos (que provariam a sua suposta origem judia).
Outros defendem a presença de catalanismos (que estariam a indicar que Colom procedia de alguma das zonas de língua catalã).
Por exemplo: Nito Verdera (1994): Cristóbal Colón, catalanoparlante, Ibiza: Editorial Mediterrània-Eivissa.
Finalmente, outros pretendem descobrir características linguísticas do dialecto genovês.
O filólogo espanhol Rafael Lapesa, no seu conhecido manual de Historia de la lengua española, segue a ideia de Pidal sobre a vitalidade do castelhano em Portugal, e adverte que, embora existam portuguesismos inquestionáveis nos escritos de Colom, outros que à primeira vista o parecem poderiam ser na realidade genovesismos:
[No capítulo intitulado «Evolución, variedades y extensión del castellano (1474-1525)»]: «La difusión del castellano como lengua literaria se intensifica en las regiones catalanas […]. Otro tanto ocurre en Portugal […]. Caso especial es el de Cristóbal Colón, que habiendo residido nueve años en tierras portuguesas antes de su primera visita a España, escogió el castellano como lengua de cultura: las incorrecciones de sus escritos se han venido atribuyendo en su mayoría a lusismo; pero recientemente se ha hecho ver que muchas de ellas (bem, pam, um, bom, logo, moiro, noite, povo, perigo, etc.) deben proceder del genovés nativo de Colón, pues están atestiguadas en Génova desde el siglo XV o antes, aunque no falten otros lusismos» (Rafael Lapesa (1980): Historia de la lengua española, Madrid: Editorial Gredos, 8ª ed., pp. 274-285).
Características portuguesas da língua de Colom
Quando falamos dos lusismos da língua de Colom, devemos partir do pressuposto de que a Galiza é um país de língua portuguesa. Ademais, as características dialectais da Galiza eram escassas na época medieval, mesmo no século XV, mormente na língua escrita.
Isto quer dizer que os lusismos de Colom não serão suficientes para provar a sua origem galega (pois poderia ser igualmente português), mas tampouco poderão servir de argumento, como pretendia Menéndez Pidal, para excluí-la, ainda naqueles casos em que os usos de Colom correspondam aos que prevaleciam em Portugal e não na Galiza. A consciência da identidade fundamental da língua tornava sempre possível para um usuário o emprego de qualquer variante gráfica, morfológica ou léxica do mesmo sistema linguístico, e mais ainda no caso de Colom, residente em Portugal durante anos. De resto, não é seguro, como Pidal pretendia, que Colom usasse traços linguísticos portugueses não existentes na Galiza; antes ao contrário, algum dos seus elementos léxicos (como o substantivo con, com o significado de ‘penedo’) parece exclusivo da área linguística galega.
Entre as características portuguesas (e portanto também galegas) da língua de Colom podemos enumerar estas:
1) Léxico português ou em formas aportuguesadas: boy = castelhano ‘buey’, con ‘penedo’, corredio ‘(cabelo) liso’, crime = cast. ‘crimen’, curral = cast. ‘corral’, custa = cast. ‘coste’, deter = cast. ‘detener’, espeto, falar = cast. ‘hablar’, fame = cast. ‘hambre’, fisga, fugir = cast. ‘huir’, ocorre, pardela ‘ave’, sede = cast. ‘sed’, soma = cast. ‘suma’…
2) Fenómenos diferenciais portugueses:
– grafia -m : um (por un), tam (por tan), fablem (por fablen ‘hablen’)… Menéndez Pidal escreve ao respeito: «vm por ‘un’ es la peculiaridad que primero salta a la vista en cualquier autógrafo de Colón» (Mz. Pidal, pág. 37).
– uso incorrecto de ditongos decrescentes (ei, oi, ou): sey (por sé), tesoyrero (por tesorero).
– uso errado dos ditongos crescentes castelhanos (ie, ue): nalguns casos, Colom não acerta a usar o ditongo, empregando no seu lugar uma forma não ditongada: atamentos (por atamientos), quer (por quiere), quero (por quiero), qualquera (por qualquiera); sinte (por siente), consinte (por consiente), corda (por cuerda), força (por fuerça)…; noutros casos introduz o ditongo indevidamente, quando na realidade não existe: depiende (por depende)…
– irregularidades no vocalismo átono: correu (por correo), deseu (por deseo), pudía (por podia)…
– errado género gramatical: el nariz (por la nariz), un señal (por una señal)…
– formas incorrectas: el com o valor do cast. ‘lo’ (neutro); eses, deses (por esos, desos); le com o valor do cast. ‘les’…
– apócope verbal: diz, faz, quer…
À maneira de conclusão
As sumárias indicações que acabo de expor estão a indicar que a língua de Colom merece um estudo rigoroso, realizado especialmente sobre os seus escritos autógrafos, e à luz do conhecimento filológico das línguas românicas que poderiam ver-se implicadas (a saber: castelhana, galego-portuguesa, catalã, italiana).
Ora, do ponto de vista galego deve notar-se também que, nalguns aspectos, a língua de Colom é comparável à empregada pelo cronista galego Vasco da Ponte no seu conhecido Nobiliário de famílias nobres galegas (redigido arredor de 1530).